Todos os anos, em todas as invocações do Holocausto, se diz "nunca mais". "Auschwitz nunca mais. Nazismo nunca mais".
No entanto parece que a humanidade não ligou ao exemplo nem aprendeu com Auschwitz (e os outros cerca de 900 (!) campos de concentração nazis), os guetos, a morte planeada, industrial e sistemática. Ou seja, o genocídio.
O "nunca mais" não foi ouvido no Tibete, em Timor-Leste, no Cambodja, na ex-Jugoslávia, no Ruanda e, neste momento ainda, no Sudão.
O filósofo George Santayana escreveu um dia: "Quem não aprende com a História terá de vivê-la de novo". Creio que esta é a maior e mais urgente herança do Holocausto para a consciência da Humanidade.
Cabe a cada um de nós aprender para não termos de enfrentar uma repetição da História. É que o "eu não sabia" não poderá ser invocado como desculpa.
O portão principal do campo e a torre de vigia, com os carris por onde chegavam a maioria dos prisioneiros. |
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Jazíamos num mundo de mortos e de larvas. O último vestígio de civilização desaparecera à nossa volta e dentro de nós. A obra de animalização, começada pelos alemães triunfantes, fora levada a cabo pelos alemães derrotados.
É homem quem mata, é homem que faz ou sofre injustiças; não é homem quem, perdida qualquer vergonha, divide a cama com um cadáver. Quem esperou que o seu vizinho acabasse de morrer para lhe tirar um quarto de pão está, embora sem qualquer culpa própria, mais afastado do modelo do homem pensante do que o pigmeu mais selvagem e o sádico mais atroz.
Uma parte da nossa existência reside nas almas de quem entra em contacto connosco: eis porque não é humana a existência de quem viveu dias em que o homem foi coisa aos olhos do homem. (...)
Mas a milhares de metros acima de nós, nos rasgos entre as nuvens cinzentas, desenvolviam-se os complicados milagres dos duelos aéreos. Por cima de nós, nus, impotentes, inermes, homens do nosso tempo procuravam a morte recíproca com os instrumentos mais requintados. Um gesto do seu dedo podia provocar a destruição de todo o campo, aniquilar milhares de vidas; enquanto o conjunto de todas as nossas energias e vontades não chegaria para prolongar um minuto a vida de um só de nós.
A confusão cessou à noite, e o quarto encheu-se de novo com o monólogo de Sómogyi. Na escuridão total, dei por mim acordado de repente. «L'pauv vieux» calava-se: acabara. Com o último estremecimento de vida, atirara-se da cama para o chão: ouvi o golpe dos joelhos, das ancas, dos ombros e da cabeça.
- "La mort l'a chassé de son li", sentenciou Arthur. Não podíamos certamente levá-lo para a fora durante a noite. Não nos restava mais do que voltar a dormir."
Este é o relato de Primo Levi (químico e escritor judeu italiano) do último dia em que foi prisioneiro em Auschwitz, registado na sua obra "Se Isto É Um Homem". No dia seguinte, o Exército Vermelho libertou o campo. Há exactamente 60 anos.
O que resta hoje da memória?
Mais: Liberation of Auschwitz-Birkenau by Russian troops January 27, 1945 | Yad Vashem (Museu Memorial do Holocausto, Jerusalém) | Simon Wiesenthal Center / Museum of Tolerance | Survivors of the Shoah Visual History Foundation | US Holocaust Memorial Museum (Com uma grande base de dados de fotos e histórias) | 60 anos da libertação (na BBC) | Why didn't the Allies bomb Auschwitz? (Uma boa pergunta, na BBC) | Holocaust Memorial Day (eventos no Reino Unido) | Fotos actuais dos campos de concentração / Idem (Do fotógrafo Alan Jacobs) | The Holocaust Revisited: A Retrospective Analysis of the Auschwitz-Birkenau Extermination Complex (Fotos aéreas tiradas pelos Aliados a partir de Abril de 1944. Também inclui uma descrição e história do campo) | An Auschwitz Alphabet (Baseado na obra de Primo Levi, por Jonathan Blumen) | What I Learned From Auschwitz (Do mesmo autor - o seu site, The Ethical Spectacle tem vários ensaios sobre o assunto).
Michael Powell, presidente da FCC (Comissão Federal das Comunicações americana) anunciou há poucos dias a sua resignação. Apontado em 1997 pelo antigo presidente Bill Clinton, Michael Powell - que é filho de Colin Powell, até há pouco Secretário de Estado americano - deixou como principal legado a auto-censura na forma de fazer televisão nos EUA.
Foi especialmente notado o caso da polémica em torno do «acidente» do seio descoberto de Janet Jackson no final do Super Bowl do ano passado. Por causa do escândalo levantado por tantos telespectadores americanos ofendidos, a televisão que transmitia o programa teve de pagar uma multa choruda.
A consequência mais imediata foi a transmissão, poucos dias depois da cerimónia dos Óscares com alguns minutos de atraso... não fosse um seio mais atrevido saltar para a frente das câmaras.
As multas para a «programação indecente» excederam os 7,7 milhões de dólares só em 2004 (no ano anterior à chegada de Powell à FCC as multas atingiram apenas 48 mil dólares.
Desde então a situação de auto-censura chegou ao absurdo de televisões recusarem transmitir o filme "O resgate do soldado Ryan" por ter «linguagem grosseira». Recentemente, um episódio da série "Serviço de Urgência" foi cancelado porque mostrava, por breves instantes, os seios de uma senhora idosa.
É (também) assim que vai a auto-intitulada "land of the free".
Ontem, Paulo Portas e Francisco Louçã estiveram frente-a-frente num debate na SIC Notícias. Por estranho que pareça, e apesar das diferenças entre os dois, não houve puxões de cabelos ou arranhões.
A novidade foi a declaração do líder do PP, que admitiu «entendimentos pós-eleitorais» com o PS. Resta saber se Sócrates vai na cantiga... e o que Santana pensa de mais esta facada nas costas.
É pá, não sei se tem alguma coisa a ver, mas de repente comecei a sentir um leve cheiro a queijo. Será Limiano?
Na minha busca de emprego pelos jornais e sites da Internet, tenho visto que uma das regras mais enfatizadas nas ofertas de emprego é a exigência de vários anos de experiência. Ainda reforçam a ideia com "não responda a este anúncio se não cumpre todos estes requisitos".
Ninguém quer perder tempo com recém-licenciados, que apenas sabem o trabalho na teoria (às vezes) e na prática, pouco ou nada.
E este estado de coisas aplica-se noutras áreas, até agora exemplos de aquisição de experiência após os estudos, como os hospitais. A minha mãe, que é enfermeira, contou-me que, por exemplo, o Hospital de Leiria já nem aceita estagiários de enfermagem, mesmo os que andam no 4º ano. Os alunos de enfermagem da região que estejam a concluir o curso, têm de ir para outros locais (como Lisboa) para fazerem o estágio obrigatório.
Em nome dos números que é preciso apresentar no final do ano, nos relatórios de contas, deixa-se para trás a formação. Afinal, este como outros é um "hospital-empresa" e tem de mostrar eficiência, para provar a qualidade do modelo.
O príncipe Harry de Inglaterra, de 20 anos, filho mais novo de Carlos e Diana foi a uma festa de temática colonial vestido com um uniforme dos Afrika Korps (unidade nazi que combateu no norte de África) e com uma braçadeira com a suástica. A foto do príncipe saiu na primeira página do tablóide The Sun.
Face ao escândalo suscitado entre a comunidade judaica, antigos combatentes e no meio político, o príncipe pediu desculpas pelo sucedido. Uma breve nota de duas linhas, emitida pela casa real. Mesmo que o caso fique por aqui, é certo que levanta certas questões. Para que lhe servem os guarda-costas e os assessores que o acompanham sempre? O irmão, o príncipe William e futuro rei, que também foi à festa - vestido de leão - não lhe disse nada? De que lhe tem valido uma educação nos melhores colégios de Inglaterra?
Decerto que neste momento lhe faria falta uma lição da bisavó, a Rainha-Mãe, que durante a Guerra se manteve em Londres, mesmo quando a cidade - incluindo o palácio de Buckingham - era bombardeada pelos senhores que usavam o mesmo símbolo da braçadeira.
Marvin Hier, fundador do Centro Simon Weisenthal de Los Angeles propôs a Harry integrar a comitiva britânica na deslocação a Auschwitz, a 27 deste mês, por ocasião dos 60 anos da libertação do campo.
PS - Numa sondagem feita pela Sky News, 57% dos britânicos considerou que "tudo não passou de uma brincadeira". Não deixa de ser curioso que é um resultado idêntico a outra sondagem recente, que revelou que 60% dos britânicos não faz ideia do que seja Auschwitz.
É a polémica da semana. O senhor ministro da Presidência, Nuno Morais Sarmento foi em visita oficial a São Tomé e Príncipe. De jacto. Ficou lá 2 ou 3 dias. (Só?! Bem sei que aquilo é pequeno, mas sempre merecia mais atenção) Se tivesse ido em voo regular teria de lá ficar uma semana. (Coitado, que martírio que seria, especialmente para nós, os portugueses que gostamos tanto dele, ai).
O problema levantado por algumas más-línguas foi a despesa. O jacto com a respectiva tripulação (o ministro em causa foi pugilista, não foi piloto); a estadia dele e da comitiva (sim, que ministro não viaja sozinho, tem que levar alguém nem que seja só para conversar durante a viagem que é uma maçada); as taxas do aeroporto; o táxi (ai perdão, o carrão, o ministro andar de táxi, ainda por cima em África, credo!) e os souvenirs (não, brincas...) ficaram em 80 mil euros.
Essas mesmas más-línguas (invejosas!) perguntaram quem é que ia pagar a conta. (Cínicos, até parece que não sabem já.)
É exactamente o mesmo que paga a viagem do senhor Presidente da República (vénia) e da comitiva de mais de uma centena de gente de bem à China; os carrões de alta cilindrada que servem os outros senhores ministros e os senhores deputados (incluindo os invejosos, ai não!) nas suas deslocações; as ajudas de custo desses mesmos senhores ministros e senhores deputados para tudo e mais alguma coisa; e ainda o carrão, o motorista e os seguranças a que os nossos ex-primeiro ministros e ex-Presidentes da República têm direito por lei, para lá da reforma (mas isso é uma ninharia, afinal foram só dois mandatos cada um).*
Onde é que está a dúvida?
* A este respeito o último dos nossos ex-Presidentes (aquele que escreve prefácios para imensos livros) declarou numa entrevista à Judite de Sousa quando ela lhe perguntou sobre o carrão: "decerto que os portugueses não quereriam que eu andasse de carro eléctrico". Obviamente que não, senhor ex-Presidente. Eu nem tenho dormido bem, só de pensar nas dificuldades de transporte de vossa excelência.
No Domingo passado, entre os convidados do Herman SIC esteve um casal de portugueses que sobreviveram ao tsunami na Tailândia. Durante os últimos dias, o "spot" de promoção do programa apresentava-os como atracções, entre cantores, travestis e imagens das rábulas do Quintal dos Ranhosos.
É certo que o programa só os teve lá porque eles aceitaram ir - obviamente a convite da produção. Mas dá nojo este aproveitamento da tragédia para ganhar audiência, esta busca da lágrima fácil, para lá da cobertura noticiosa já de si questionável.
E pior, transformar as cicatrizes e os pesadelos em entretenimento.
Depois do "Mais do que semântica (I)" era apenas uma questão de tempo até surgir a segunda parte. Porque a saga continua. Ora vejam. É vulgar nos nossos Média, em especial na televisão, com a RTP à cabeça, chamar "exército judaico" ao exército de Israel.
É óbvio que a maioria dos soldados israelitas são judeus, já que a maioria da população de Israel é de religião judaica. No entanto, quando um jornalista usa a expressão "exército judaico" demonstra que sabe pouco daquilo que fala, pois no exército de Israel há também elementos drusos e beduínos. Denota também uma confusão entre nacionalidade e religião.
O último caso deste tipo ocorreu no último fim-de-semana quando a RTP enviou o jornalista Paulo Dentinho ao Médio Oriente à região para fazer a cobertura das eleições palestinianas. Na única peça que vi dele, além da já habitual presença da expressão "exército judaico", apareceu também "prisões judaicas" (!). O jornalista falou com um palestiniano que no dia das eleições foi libertado de uma prisão em Israel, mas referiu-se-lhe como "prisão judaica".
Jamais ouvi chamar "exército católico" ao exército português, espanhol ou brasileiro, apesar de a maioria dos seus efectivos serem católicos (até há um bispo para as Forças Armadas!). Nem mesmo à Guarda Suíça do Vaticano. O termo "prisão católica" nem sequer se usa quando se fala das prisões da Santa Inquisição. E as prisões da Arábia Saudita ou do Irão (onde a justiça que se aplica segue a Sharia, lei islâmica) são somente prisões sauditas ou iranianas. Não "prisões islâmicas".
Num contexto religioso, é legítimo falar em israelita como judeu, judaico ou hebreu (ex. comunidade israelita = comunidade judaica). Mas tratando-se de nacionalidade, não são sinónimos.
É provável que não exista má-fé no uso destas expressões. No mínimo há falta de rigor ou mesmo ignorância. Porém, tratando-se de jornalismo não é de todo uma ignorância inocente.
Mahmud Abbas (ou Abu Mazen) ganhou, como era esperado, as eleições presidenciais palestinianas. Com mais de 60% dos votos. Resta saber o que fará agora com esta legitimidade democrática, coisa rara no mundo árabe, aliás.
Se, como presidente da Autoridade Palestiniana se quer afirmar como parceiro para a paz e finalmente decide controlar os grupos terroristas, incluindo no interior da sua organização, a Fatah
Ou, pelo contrário, se quer mostrar-se como seguidor à letra de Arafat, mantendo a sua eterna linha inflexível e fechando os olhos às acções dos radicais para não correr o risco de ser considerado "traidor".
Está nas mãos de Abbas o resultado desta nova era para a Palestina.
Na última sexta-feira vi na 2: o programa "Causas Comuns". Normalmente é uma verdadeira seca, quer pelos temas que costuma apresentar, quer pelo tom sonolento dos convidados e ainda mais do apresentador. Desta vez surpreendeu-me pela positiva. O tema: o Médio Oriente. Os convidados eram a diplomata e investigadora Manuela Franco e Vasco Rato, do Instituto de Defesa Nacional.
Foi uma raríssima, se não mesmo única vez em que na RTP foi abertamente exposta uma explicação sobre o conflito entre Israel e os Palestinianos sem a usual tendência para o politicamente correcto e o maniqueísmo que reduz o assunto a um confronto entre o Bem e o Mal, as vítimas e os carrascos, os inocentes e os culpados, em que os primeiros são sempre os palestinianos e os segundos são sempre os israelitas.
E a prova bem eloquente desse simplismo que impera na análise do conflito israelo-árabe surgiu quando se mostraram várias opiniões de populares apanhados na rua. O vox populi não era mais que uma sucessão de lugares comuns e interpretações básicas, ingénuas mesmo.
Só é pena que o programa tenha sido na 2: e ao final da tarde, uma hora de tão pobres audiências. Noutro canal e noutro horário iria contribuir para informar os telespectadores que no caso do Médio Oriente, as coisas são mais complicadas do que aquilo que muitas vezes se apresenta.
José Sócrates prometeu que, caso o PS chegue ao Governo nas próximas legislativas (alguém tem dúvidas que assim será?), conseguir para a economia portuguesa um «crescimento sustentado de 3 por cento».
E - como se isto não bastasse - ao mesmo tempo, diminuir os níveis de desemprego para os de há três anos, quando Guterres fez aquela birrinha pós-autárquica e bateu com a porta. O que ele promete é recuperar mais ou menos 150 mil empregos. E tudo isto no tempo de uma legislatura.
Como se diz na minha terra "Ah, homem valente!". Este nível de promessa eleitoral está roçar o absurdo e ainda nem começou a campanha a sério. Esperam-nos umas semanas hilariantes.
Se há algum pingo de consciência e responsabilidade política naquela cabeça, Sócrates já se deve ter arrependido de ter chegado a líder do PS. É que ser (candidato a) primeiro-ministro é um bocadinho mais difícil do que ir mandando ao ar números de crescimento económico. Ele lá vai tentando...
PS - E depois há aquela ideia magnífica de não recorrer a receitas extraordinárias para manter o défice controlado. Se é assim, ou ele é milionário e vai por a sua imensa fortuna ao serviço do país, ou então está a sonhar outra vez.
PS 2 - Há ainda a hipótese de ele ser mágico ou estar a pensar convidar o Luís de Matos para ministro das Finanças. Tenhamos esperança, então.
O mundo está mobilizado no auxílio às vítimas do tsunami no Índico. Em apenas dez dias angariou-se a nível mundial uma soma recorde para socorrer os feridos e desalojados, apoiar a reconstrução e auxiliar na tarefa de identificar e enterrar os mortos. Já se ultrapassaram os 2000 milhões de euros. É um bom sinal, aparentemente. Vários países competem no campeonato do "quem dá mais". As tabelas dos doadores estão sempre a mudar, tal é o frenesim solidário.
As nossas televisões dedicam longos minutos nos noticiários e até promovem galas de solidariedade a favor da causa. É o caso da RTP, amanhã. Na TVI, o programa do Goucha também lhe vai ser dedicado. Centenas de jornalistas de todo o mundo estão no Sudeste Asiático para mostrar as áreas devastadas, as mágoas dos sobreviventes e cobrir as operações de ajuda. (As nossas televisões continuam na sua habitual procura da lágrima e nas perguntas estúpidas às vítimas.)
Muitas empresas e gente milionária, de estrelas de Hollywood, da música e do desporto, prometem milhões em ajuda, mas que certamente não se esquecerão de deduzir na próxima declaração de impostos.
Mas, e se entre os milhares de mortos não houvesse turistas ocidentais, será que a atenção – e logo a solidariedade – seria tão grande? Nas minhas aulas de jornalismo aprendi que um dos valores-notícia é a proximidade, seja ela geográfica ou emocional. Cinicamente dizia-se nessas aulas que a vida de um francês vale a de 100 paquistaneses. Neste caso a proximidade é, por via da distância geográfica, puramente emocional. E este facto é muito fácil de provar.
Em 1997, um tufão fez mais de 140 mil mortos só no Bangladesh. Quase tantos como o total de vítimas de 26 de Dezembro.
Nessa altura, quanto milhões se angariaram para auxílio ao Bangladesh, que é um dos países mais pobres do mundo?
Quantas contas foram abertas nos bancos para arranjar dinheiro?
A TMN (ou outra operadora) lançou alguma campanha nesse sentido? Quantas mensagens de SMS foram então enviadas?
Pelo cavalgar dos números, haverá nesta altura no Darfur perto de 100 mil mortos, assassinados pelas milícias árabes janjaweed apoiadas pelo governo do Sudão.
Quantos minutos de silêncio se fizeram hoje, à porta do Parlamento Europeu, da nossa Assembleia da República, nas Bolsas, centros comerciais e ruas de todo o mundo para lembrar o Darfur?
Mais do que o silêncio, quantos minutos de denúncia desta tragédia passaram no último mês pelas televisões, pelo Parlamento Europeu e pela Assembleia da República?
Quantos aviões de ajuda humanitária foram enviados da Europa para os campos de refugiados do Chade onde procuram abrigo mais de um milhão de pessoas de Darfur?
O tenista Tim Henman, prometeu doar às vítimas do maremoto 100 dólares por cada "às" que conseguir fazer nos próximos três torneios. E quantos dólares vai doar ao Darfur?
Em apenas algumas semanas do ano de 1990, mais de 800 mil pessoas foram mortas no Ruanda num genocídio entre hutus e tutsis.
Quantos fogos de artifício de Ano Novo deixaram de ser lançados (como os de Bruxelas e Estocolmo deste ano) em homenagem à tragédia dos ruandeses?
Quantas equipas de médicos legistas europeias, americanas, australianas ou japonesas foram enviadas para o Ruanda para ajudar na identificação dos cadáveres?
Com que empenho se mostrou o Secretário-Geral da ONU num apelo para congregar esforços no auxílio às vítimas?
As respostas a todas estas perguntas são uma de duas: pouco ou nada. Porque ninguém faz turismo no Bangladesh, no Sudão ou no Ruanda.
É óptimo que as pessoas se preocupem com aquilo que se passa a milhares de quilómetros de distância. Que abdiquem de um pouco do seu conforto em favor dos que precisam. A era da globalização não serve apenas para o negócio, também serve para a solidariedade. Mas afinal, quanto renderia este leilão de boa-vontade se não houvesse gente dos nossos entre os mortos? Talvez não passasse de pouco mais que um rodapé, como é vulgar nas notícias com gente de longe...
Parece que esta manhã houve um pequeno sismo no Algarve. Teve uma intensidade de cerca de 4 graus na escala de Richter. Tão fraco como o abalo provocado por um camião a passar na rua. Não mais do que isso. Anda-se numa psicose sísmica tal que as nossas televisões abriram os noticiários da tarde com esta grande notícia. Há falta de melhor, foi o que se arranjou...
Seguindo a mesma onda (palavra sem segundo sentido, não vá alguém pensar que é piada. É que não devem tardar as piadinhas de mau gosto com ondas...) a SIC, durante o Jornal de Sábado da SIC fartou-se de publicitar uma notícia sobre o alegado risco de Portugal ser afectado por um tsunami com dezenas de metros de altura.
A notícia acabou por ser uma coisita de minuto e meio sobre as suposições de cientistas que têm estudado o vulcão Cumbre Vieja na ilha de La Palma (e não Las Palmas, como foi referido na notícia!) nas Canárias. É que se o vulcão entrar em erupção, uma boa parte da ilha pode desabar para o mar e causar ondas enormes em direcção à América e Europa.
A verdade é que este assunto já anda a badalar na televisão há vários anos. Um dos canais de documentários por cabo (não sei se o Discovery Channel, o Odisseia ou o National Geographic) transmitia um programa sobre o Cumbre Vieja de 15 em 15 dias. Ora, a SIC é uma televisão que tem um canal de notícias 24 horas por dia. Com tanta falta de assunto na SIC notícias (repetem a mesma coisa vezes sem conta ao longo do dia, nem a introdução do apresentador muda), será que ninguém ainda tinha arranjado um tempinho para mudar de canal e tomar umas notas ao que passa no canal ao lado?
Com tanto "alerta", era bom que se lembrassem antes de formar a opinião pública para se exigir nas escolas e empresas a realização frequente de simulacros em caso de sismo ou incêndio.
Ainda há pouco estive à procura de um certo ficheiro no meu computador com umas certas informações sobre o anti-vírus que eu uso. Não encontrei o que queria - o que quer dizer que a porcaria do programa vai deixar de funcionar porque não consigo fazer o registo on-line - mas encontrei uma coisa bem interessante. Não compensa, mas já deu para me rir.
Nunca pensei que aqueles textos dos programas informáticos aos quais temos de clicar sempre no "Aceito" para fazer a instalação, fossem tão divertidos. Aconselho-vos a lerem esses textos. Podem ser ainda mais cómicos que alguma literatura médica ou instruções de uso de electrodomésticos. Ora vejam.
«Alguns produtos XPTO estão sujeitos a controlo de exportação pelo U.S. Department of Commerce (DOC), de acordo com as Export Administration Regulations (EAR).
A violação das leis dos EUA é estritamente proibida. O usuário concorda em cumprir as regras da EAR em todas as leis aplicáveis, sejam internacionais, nacionais, estatais, regionais e locais, e regulações, incluindo quaisquer restrições de importação e uso.
(As dos outros países podem ser violadas, certo? Desde que isso vos seja favorável. Yeah, yeah, concordo com tudo... Toca a andar!)
Os produtos XPTO estão actualmente proibidos para exportação ou reexportação para Cuba, Coreia do Norte, Irão, Iraque, Líbia, Síria e Sudão ou para qualquer país sujeito a sanções comerciais.
(Para os que não sabem: todos estes países fazem / já fizeram parte do ‘Eixo do Mal’; nem todos declarados como tal, mas é assim que o senhor presidente W. olha para eles.)
O usuário concorda em não exportar, ou reexportar, directa ou indirectamente, nenhum produto para qualquer país mencionado nas EAR, ou para qualquer pessoa ou entidade na lista de “Pessoas, entidades e listas não verificadas”, recusadas pelo Departamento de Comércio, a Lista dos Excluídos do Departamento de Estado (o MNE) dos EUA, ou nas listas do Departamento do Tesouro de nacionais, traficantes de narcóticos, ou terroristas especificamente designados.
(Eu hein? Eu quero é estar longe dessa corja toda! Que vão todos dentro!)
Além disso, concorda em não exportar, ou reexportar, os produtos XPTO para qualquer entidade militar não aprovada de acordo com as Regulações da Autoridade de Exportações, ou qualquer outra entidade com fins militares; nem vender qualquer produto XPTO para uso em conjunto com armas químicas, biológicas, ou nucleares ou mísseis capazes de transportar essas armas.»
(Eu sou pacifista. Quer dizer, já fui mais, mas está bem, concordo.)
Isto tem mesmo muita piada. Muito melhor que o “Levanta-te e Ri” e os “Batanetes” e quase tão bom como as Televendas! Confesso que gostava de conhecer algumas das pessoas que escrevem estes textos. Devem ser gente interessante, com imensas histórias para contar, especialmente sobre aqueles que lhes mandaram escrever isto…
Ah, e já agora declaro que o Departamento de Comércio, a Autoridade das Exportações e os outros podem ficar descansados, porque eu não vou emprestar a minha cópia de antivírus XPTO a terroristas, traficantes de drogas e outros proscritos.
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