Um dos passos definitivamente mais difíceis quando se muda de local de residência, é habituarmo-nos ao novo lugar e às novas pessoas. No meu caso, não mudei apenas de local, mudei de país, de continente e, em grande parte de cultura.
Da Batalha e de Lisboa, passei para Jerusalém. Os contrastes são enormes e o choque inicial foi brutal. No entanto, hoje - passado quase um ano de residência na Cidade Santa - essa fase da estranheza passou em grande medida. Já me sei orientar com os transportes públicos, não costumo perder-me em relação aos quatro pontos cardeais e, por vezes, até já posso indicar o caminho a quem "anda perdido".
Outro dos sinais da familiaridade com a cidade é, ao caminhar na rua ou nos autocarros, encontro certas pessoas com alguma frequência. Não faço ideia dos seus nomes, mas sei que já as vi por aqui. São gente desta cidade.
Todos estes são sinais de que posso já chamar a esta: a minha cidade.
Nunca é fácil viver longe da família e dos amigos. É verdade que amigos fazem-se ou arranjam-se outros novos, mas nunca se deixam os "antigos" para trás. E a própria noção de família pressupõe eternidade dos laços - divórcios à parte -, pelo menos entre pais e filhos.
Nunca tive grande facilidade em fazer amigos. Aliás, creio que é mesmo impossível ser fácil "fazer amigos". A amizade requer um conhecimento mútuo, uma cumplicidade e uma proximidade tal que não se conseguem senão com um contacto particular e profundo que não se estabelecem com qualquer pessoa.
Sempre tive um grupo muito exclusivo de eleitos como "os meus amigos". A minha denominação de alguém como "amigo" sempre foi mantida no mais alto nível. Nunca tive o hábito de chamar "amigo" a todo o bicho e careta com quem contactava diariamente na escola. Esses foram e são simplesmente "colegas".
Antes, era habitualmente reservado nos meus contactos com estranhos. Aqui em Israel, com a distância da família e dos amigos de Portugal - que são os amigos de sempre -, descobri uma faculdade que não julgava ter: a de socializar com pessoas novas e criar laços com relativa facilidade. A saída da yeshivá Machon Meir e a entrada na Yeshivat HaKotel obrigou-me a construir novos vínculos.
Alguns - muito poucos - dos companheiros de estudos da antiga yeshiva, acabaram por tornar-se amigos de quem sinto uma falta constante. Na minha nova casa, a integração fez-se muito por conta da facilidade de contacto entre portugueses e brasileiros. O meu habitual sentido de humor e a natural boa-disposição brasileira ajudaram no processo.
Hoje olho para as fotos que trouxe de Portugal com uma saudade impossível de conter. Pelo menos uma vez por semana recebo uma chamada da minha mãe. Menos frequentemente sou eu que ligo. Há dias em que penso por momentos que o pior pode acontecer com os que estão distantes e eu, a mais de 4000 quilómetros de distância, sem poder fazer nada. A ansiedade pela distância existe naturalmente nos dois sentidos.
Durante as semanas de guerra entre Israel e o Hezbollah subiu a frequência das chamadas da minha mãe. Preocupada com a minha situação. Não consigo conceber o nível da sua angústia ao ver as imagens da guerra e imaginar-me próximo daquilo tudo. Sempre me pedia para regressar a Portugal. Ofereceu-se até para me pagar o bilhete, para ao menos passar umas semanas longe do conflito. Sempre lhe dizia que em Jerusalém a situação estava praticamente inalterada e que ficava bem distante dos locais atingidos pelos mísseis no norte de Israel. Obviamente que isso não era suficiente para a sossegar.
Todas as vezes que falamos, me pergunta quando volto a Portugal e diz-me que tem saudades. Infelizmente, nunca lhe posso dar grandes certezas quanto ao meu regresso, mas digo-lhe que em princípio no próximo Março devo ir visitá-la. Gostava de poder ir a Portugal ao menos uma vez por ano. Foi essa a esperança que lhe deixei quando nos despedimos no dia da minha partida para Israel, em Maio último.
A condição quotidiana de Israel nunca é tão relaxada como na maioria dos outros países, por isso custa-me deixar as pessoas preocupadas com a minha situação. Em nome do quê o faço? Tenho pena que todo o meu projecto de vida possa causar alguma ansiedade na família e nos amigos. Estar hoje em Israel e desejar permanecer aqui, construindo cá a minha família e o meu futuro são consequências da minha conversão ao Judaísmo. Não passei por cima de ninguém para o consegui. Não creio que o processo tivesse alguma vez tido como consequência o sofrimento de alguém.
Todavia, não poderia deixar de fazer o que fiz. Pensar na eventual ansiedade da família e dos amigos como obstáculo ao meu futuro seria simplesmente boicotar a base da minha vida. Sobre isto me apoio nas palavras de Hillel, um dos sábios do Judaísmo contidas na obra "Pirkei Avot", a "Ética dos Pais":
«Se eu não sou por mim, quem será por mim? E se eu sou por mim, quem sou eu? E se não agora, quando?»
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