Sábado, 18 de Novembro de 2006

Fogo na Cidade

Jerusalém é uma cidade onde os tempos de maior agitação estão definidos. Além dos dias santos judaicos, como as peregrinações de Pessach (a Páscoa Judaica), Shavuot e Succot; as festas muçulmanas, especialmente o mês de jejum de Ramadão e as datas cristãs de Natal e Páscoa, existem ainda os feriados nacionais israelitas, com destaque para o Yom Yerushalayim (Dia da Reunificação de Jerusalém, na guerra dos Seis Dias) e o Yom Atzmaut (Dia da Independência de Israel).

Sempre há uma ou outra manifestação politica a decorrer, como tendas montadas junto a um qualquer ministério a protestar contra alguma coisa. Nada de mais. Nas semanas passadas, a cidade agitou-se com a perspectiva da realização da Marcha Mundial do Orgulho Gay. Uma organização internacional, apoiada por um grupo local, decidiu marcar para a Cidade Santa um desfile de "orgulho gay".

Após a permissão dada pelo Supremo Tribunal para a realização da marcha, levantaram-se imediatamente as vozes dos opositores ao desfile, visto como uma provocação e, pior ainda, uma profanação da santidade de Jerusalém. Líderes judeus, cristãos e muçulmanos reuniram-se para, a uma só voz, se oporem à Marcha. Coisa rara essa aliança, apenas vista aquando da visita de João Paulo II a Israel em Março de 2000 e de uma marcha idêntica realizada em 2005.

À medida que se aproximava a data anunciada para a realização da Marcha - para aumentar a afronta, marcada para a véspera de Shabbat - foi crescendo a oposição ao evento. Cartazes espalhados pela cidade relatavam uma alegada profecia de uns anónimos "mestres cabalistas" que avisavam que, na eventualidade da parada ser realizada, Israel sofreria "uma guerra no Norte e um grande terramoto".

Chegaram a aparecer anúncios a oferecer uma recompensa de 5000 dólares a quem matasse um dos que se atrevesse a participar na Parada. Na marcha do ano passado, um homem armado com uma faca e com a mesma ideia, feriu levemente três participantes. Foi recentemente condenado a 20 anos de cadeia.

Depressa a manifestação de oposição ao evento deixou de ser apenas verbal e em acesos artigos de jornal e passou para as ruas. Em bairros de Jerusalém habitados principalmente por haredim (judeus ultra-ortodoxos), jovens exaltados incendiavam diariamente os contentores de lixo. No bairro de Mea Shearim bloquearam as principais ruas com pilhas de pneus a arder e enfrentaram a polícia com chuvas de pedras. Por várias ocasiões, o trânsito no bairro teve de ser desviado, devido à desordem nas ruas.

Numa das manhãs seguintes a uma das batalhas de rua em Mea Shearim, passei pelo bairro, situado a uns 15 minutos a pé da Cidade Velha. No ar um cheiro forte a queimado, um aroma do género "Beirute anos 80". Os passeios estavam cobertos de boletins da versão local do totoloto, provenientes de uma banca de apostas alvo de vandalismo. Nas ruas - onde a maioria das lojas permaneciam fechadas - ainda se viam os restos carbonizados de pneus. No principal cruzamento do bairro, a marca mais chocante de todas: a carcaça de um automóvel calcinado, virado de rodas para o ar. Ali ao lado, os vidros quebrados das paragens de autocarro.

Os rabinos mais importantes, apesar de naturalmente se oporem ao desfile, condenaram igualmente a onda de destruição e as opções de oposição violenta. Foi marcada então uma contra-marcha para a mesma manhã.

No entanto, apesar da enormidade dos protestos, a Parada Gay foi apenas cancelada nos seus moldes iniciais por causa de uma operação militar levada a cabo pelo Exército de Israel em Gaza.

É que, dada a envergadura da operação e a subsequente necessidade de aumentar o nível de segurança nos pontos principais do país, os 12 mil polícias inicialmente previstos para vigiar a marcha e evitar recontros com os contra-manifestantes foram mobilizados para locais sensíveis. E assim, ao fim de tantos protestos contra a Marcha, esta acabou por realizar-se, mas num recinto fechado, num estádio do campus universitário e em moldes mais discretos.

Com mais ou menos plumas e lantejoulas, a vida segue normal em Jerusalém.

publicado por Boaz às 17:12
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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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