Há muito que tinha percebido que a ONU tem um certo - para não dizer absoluto - desprezo por Israel.
Já nem vale a pena falar das distorcidas discussões acerca do conflito Israelo-Árabe, nas quais Israel é sempre condenado e a Autoridade Palestiniana, o Líbano ou a Síria sempre se safam de qualquer crítica ou qualquer responsabilidade no que se passa no Médio Oriente. Ou da vergonhosa Conferência de Durban sobre o racismo, em 2001, que se escusou a definir o anti-semitismo como racismo e foi plataforma da mais feroz propaganda anti-Israel e anti-semita. (Até à eleição do actual Presidente do Irão).
Um facto que soube recentemente é a prova cabal que a ONU - a par de muitos intelectuais de meia-tijela por esse mundo fora - simplesmente nega a Israel o estatuto de Estado e a sua legitimidade de fazer valer os seus valores e pontos de vista na cena internacional.
Cada estado na ONU tem exactamente os mesmos direitos. Com uma excepção: Israel. Apenas Israel - entre cerca de 200 estados membros da ONU - é excluído de qualquer órgão de decisão da organização. Para ao menos candidatar-se a ser membro da maioria dos órgãos da ONU, como por exemplo o Conselho de Segurança (membro não-permanente, mas apenas com um mandato de 2 anos) ou da Comissão de Direitos Humanos, um país tem de pertencer plenamente a um dos cinco grupos regionais.
Ora, Israel é excluído como membro pleno de qualquer um dos cinco grupos regionais. E isto é uma clara violação da própria Carta da ONU que (diz que) reconhece a "igualdade das nações, grandes ou pequenas".
Num recente artigo do Jerusalem Post em tom gritante mas factualmente negro, o colunista Michael Freund apresentou factos que representam muito possivelmente o maior problema na Europa actual: o perigo de extinção. Essa extinção não é a de uma qualquer espécie animal rara, mas da própria Europa, da sua identidade tal como a conhecemos actualmente. E que tradicionalmente tomamos como a "moderna identidade europeia" forjada nos últimos séculos, desde talvez a Revolução Francesa.
O primeiro dos problemas apresentados por Freund é a evidente diminuição da fertilidade na população europeia. Um estudo da Rand Corporation revelou que as taxas de fertilidade estão em queda e os tamanhos das famílias a encolherem de década para década. Em todos os estados-membros da União Europeia, as taxas de fertilidade estão abaixo do valor de 2,1 filhos por mulher, o limiar absoluto de manutenção populacional. E este desastre silencioso alastrou por toda a Europa em apenas 20 anos.
No fundo da escala estão a Espanha, a Itália e a Grécia, países que há 30 anos tinham mesmo algumas das mais altas taxas de fertilidade do Velho Continente. Hoje, apresentam um valor a rondar os 1,3 filhos por mulher. Só no caso de Itália, a manter-se esta situação, a população descerá em mais de 1/3 nos próximos 25 anos. Na Alemanha, 30% das mulheres simplesmente não têm filhos. Nenhum.
Em 15 dos 27 estados da EU o número total de mortes anuais já excede o número de nascimentos. Na Europa, em termos absolutos, em 2004, morreram mais pessoas do que as que nasceram. Os cemitérios enchem enquanto as maternidades e os infantários têm cada vez menos demanda.
A par desta tragédia, um outro facto acontece paralelo e que significa só por si uma extrema alteração no panorama global da Europa: ao mesmo tempo que os Europeus caminham em direcção ao declínio, a população muçulmana na Europa Ocidental está em larga expansão.
Como refere Mark Steyn no seu recente livro América Alone, "Qual é a população muçulmana de Roterdão, Holanda? Quarenta por cento. Qual é o nome de bebé mais popular na Bélgica? Mohammed. Em Amsterdão? Mohammed. Em Malmoe, na Suécia? Mohammed." Em Inglaterra e Gales há hoje mais bebés chamados Mohammed do que George. Referindo-se a este facto com a tradicional ironia britânica o Daily Telegraph, disse que ele reflecte a diversidade étnica da população.
Se é verdade que com estes dados, a diversidade é a verdade mais evidente e até colorida, por outro lado também representa já a curto e inexoravelmente a longo prazo, uma mudança profunda em toda a paisagem humana do Continente.
E essa mudança cada vez mais veloz pode não ser - e não creio que realmente seja - a favor da Europa que conhecemos hoje. O Islão é, sem dúvida, a religião que mais cresce na Europa (e, já agora refira-se que também nos EUA). Projecções de um departamento federal dos EUA indicam que os 20 milhões de muçulmanos na UE, irão duplicar até 2025.
Como notou o autor Bruce Bawer em While Europe Slept (Enquanto a Europa Dormia, muito a propósito), em várias regiões da Europa Ocidental, 16 a 20% das crianças são hoje muçulmanas. Ou seja, num par de gerações vários estados europeus terão maiorias islâmicas.
Que implicações têm todas estas realidades no futuro da Europa? A tendência, numa sociedade onde desponta uma nova minoria em rápido crescimento, é o consequente crescimento das reclamações políticas e sociais dessa minoria. Aos poucos haverá mais e mais parlamentares representantes da minoria nos parlamentos da Europa (actualmente já existem em países como a França, Reino Unido ou Alemanha).
Mesmo num quadro em que os governos europeus decidam agir em favor da reversão da situação actual, e o consigam realizar, o que parece altamente improvável, os seus primeiros e discretos resultados aparecerão várias décadas antes de os seus efeitos sejam realmente sentidos.
E no entretanto, por força da sua influência crescente, a lei nacional tenderá por um lado a considerar acomodar costumes e regras da lei islâmica, actualmente não muito bem vistos pela sociedade europeia, como sejam o papel da mulher e da família. Por outro, os líderes políticos serão forçados pela opinião pública tradicional a ignorar a demanda dos seus cidadãos muçulmanos em reconhecer esses novos costumes como lei.
Inevitavelmente, o crescimento de uma cultura tomada na maior parte do Continente como "externa" e em parte "hostil" ou até "contrária" à cultura europeia irá causar reacções de oposição da população tradicional dos países. E como a evolução da situação é, inexoravelmente, para o crescimento da população muçulmana e decréscimo acentuado da população original, o panorama será certamente um conflito aberto. Num termo: guerra civil.
Para Israel, isso significa apenas o consumar de um processo já actualmente em curso: a tendência do alinhamento da Europa com o Mundo Árabe e a oposição a Israel. Até já há franjas da classe política na Europa que discutem (mesmo que discretamente) a legitimidade da existência de Israel.
Todo o panorama externo da Europa irá mudar. Já vemos isso hoje. O tradicional alinhamento Europa-EUA em muitas questões internacionais já não é hoje um facto seguro. A tendência será um desvio cada vez maior nos pontos de vista dos dois lados do Atlântico.
Imaginemos o que aconteceu aos índios na América, os africanos ou os indianos, com a chegada repentina dos brancos há alguns séculos atrás. Toda as culturas foram eternamente e drasticamente alteradas. Secções importantes desses povos pura e simplesmente desapareceram. Agora imaginemos um panorama idêntico mas em que é a cultura europeia a que está sob um implacável e imparável ataque. Toda a História é, sem dúvida uma eterna transformação. Nada é estático. Chegou a hora da Europa passar para a parte decrescente do gráfico.
Como concluiu sarcasticamente Michael Freund a sua crónica: "se nunca viu a Torre Eiffel ao vivo, é melhor não adiar muito. É que, antes que dê por isso, ela pode bem virar um minarete."
Um excelente artigo publicado recentemente no Jerusalem Post acerca de um assunto e uma posição já várias vezes exposta neste blog.
A cultura da violência
De Evelyn Gordon
Virtualmente nem um dia passou recentemente sem que alguma pessoa famosa declarasse que a resolução do conflito Israelo-Árabe é a chave para resolver todos os problemas do mundo Islâmico - de Kofi Annan ("Enquanto os Palestinianos viverem sob ocupação também as paixões um pouco por todo o lado serão inflamadas"), a Henry Kissinger ("um processo de paz palestiniano retomado deveria jogar um papel significativo na resolução da crise nuclear iraniana") e a Tony Blair ("um acordo israelo-palestiniano é o cerne de qualquer esforço para resolver os outros problemas do Médio Oriente e derrotar o extremismo global").
É surpreendente que tantas pessoas inteligentes possam seriamente expor uma tão óbvia falsidade. Eles realmente acreditam que Muçulmanos Sunitas e Muçulmanos Xiitas - cujas visões de Israel são idênticas - se massacram uns aos outros no Iraque por causa do conflito israelo-palestiniano? Ou que os políticos anti-Síria no Líbano - que não são menos anti-Israel que os do tipo pró-Síria - estão a ser assassinados pela Síria e ameaçados com um golpe de estado pelo Hizbullah, devido ao conflito israelo-palestiniano?
Que Árabes Muçulmanos estão a cometer um genocídio contra Negros Muçulmanos no Sudão devido ao conflito israelo-palestiniano?
Que Muçulmanos Talibãs assassinam Muçulmanos não-Talibãs no Afeganistão por causa do conflito israelo-palestiniano?
Que Muçulmanos Chechenos tomaram crianças russas como reféns numa escola de Beslan devido ao conflito israelo-palestiniano?
Que Muçulmanos e Hindus se matam mutuamente em Caxemira por causa do conflito israelo-palestiniano?
Que Muçulmanos em todo o Mundo se revoltaram por caricaturas dinamarquesas devido ao conflito israelo-palestiniano? A lista poderia continuar por várias páginas.
Mas a teoria da centralidade israelo-palestiniana não é apenas falsa, é perigosa - porque evita que o Mundo olhe a causa real e todos estes conflitos, incluindo o israelo-palestiniano: uma cultura generalizada no Mundo Muçulmano que vê a violência e trata a violência com um meio legítimo para resolver disputas.
A crise das caricaturas é particularmente um bom exemplo, porque não é encoberta por alguma relação com qualquer conflito regional. Após um jornal dinamarquês haver publicado caricaturas satíricas do Profeta Maomé no ano passado, Muçulmanos em todo o Mundo causaram motins durante várias semanas, resultando em várias mortes.
Compare-se isto com a reacção dos Católicos a investidas satíricas contra o papa e a Igreja em Itália. Em meados de Novembro, por exemplo, um programa de televisão italiano satirizou o Papa Bento XVI como sendo ciumento em relação ao seu antecessor e assim fez vários actos degradantes - sapateado, malabarismo com laranjas - enquanto perguntava "O Papa Wojtyla [João Paulo II] conseguia fazer isto?"
Num outro programa recente, um comediante brincou com a Santíssima Trindade debatendo onde ir em viagem: Deus Pai propõe África, Jesus propõe a Palestina e o Espírito Santo propõe o Vaticano. Questionado porquê, o Espírito Santo responde: "Porque nunca lá estive."
Claramente, estas piadas não são menos ofensivas para os Católicos devotos que as caricaturas de Maomé para os Muçulmanos religiosos. Mas não houve motins por causa destas sátiras, nem nenhum clero católico apelou a tais motins, como muitos membros do clero islâmico fizeram com as caricaturas dinamarquesas. Os Católicos limitaram-se a protestos orais e escritos - porque na moderna cultura Ocidental a violência não é considerada uma resposta aceitável à ofensa.
Têm as reacções à sátira religiosa realmente alguma influência de conflitos políticos como o israelo-palestiniano? Absolutamente não - por duas razões.
Primeiro, enquanto o mundo muçulmano considerar a violência como resposta apropriada à oposição, nem o conflito israelo-palestiniano nem qualquer outro das dúzias de conflitos envolvendo muçulmanos a nível mundial será resolvido. De facto, o conflito israelo-palestiniano amplamente demonstra este ponto.
Os Palestinianos poderiam ter obtido um estado em Julho de 2000, se Yasser Arafat tivesse exposto a sua insatisfação à proposta israelita em Camp David à moda "Ocidental" - apresentando uma contraproposta. O governo de Ehud Barak estava claramente disposto a fazer mais concessões; fê-lo nas subsequentes cimeiras de Washington e Taba. Mas em vez disso, os Palestinianos optaram por expressar o seu descontentamento violentamente, lançando uma guerra terrorista que matou mais de 1000 israelitas (e cerca de 4000 palestinianos) nos seis anos seguintes. Como resultado, os israelitas afastaram Barak e começaram uma contra-ofensiva, e as negociações pararam.
O mesmo aconteceu no ano passado após Israel sair de Gaza. Os israelitas posteriormente elegeram Ehud Olmert numa plataforma para fazer o mesmo na maioria da Margem Ocidental. Mas os Palestinianos, em vez de aproveitarem esta abertura para declarar um cessar-fogo e negociar futuras concessões, optaram pela violência: usaram a recém-evacuada Gaza como plataforma de lançamento para bombardear o sul de Israel com mísseis, em depois, por larga escala, elegeram o Hamas, que abertamente advoga a destruição de Israel. Como resultado, não só as negociações estão congeladas, como está também a proposta retirada da Margem Ocidental.
A segunda razão porque enfrentar a cultura de violência é crucial é que mesmo que o conflito israelo-palestiniano pudesse ser de alguma maneira resolvido sem ser dessa forma, isso não faria nada para resolver os outros problemas dentro do mundo islâmico ou entre o mundo islâmico e o Ocidente - porque o número de potenciais oposições é infinito. Estas incluem as diferenças culturais (as caricaturas de Maomé), questões económicas (os motins do ano passado em França), questões de polícia externa (Iraque, Afeganistão) e mais.
A ideia Blair-Annan-Kissinger parece ser que se os Muçulmanos fossem serenados sobre Israel eles talvez poderiam abdicar da violência em outros casos. De facto, a História ensina o contrário:
Tal como Hitler, longe de ser apaziguado pela entrega da Checoslováquia pelo Ocidente, em vez disso concluiu que poderia também tomar a Polónia com impunidade, iniciando assim a Segunda Guerra Mundial, assim também qualquer concessão ao terror islâmico simplesmente encorajou os Muçulmanos a pensar que a violência compensa.
A retirada israelita de Gaza, que 84% dos Palestinianos atribuíram ao terrorismo, foi um factor crucial tanto na sua eleição do Hamas, a principal organização terrorista palestiniana, como na continuação do apoio da maioria da sua população ao terrorismo. A retirada espanhola do Iraque a seguir aos atentados de Madrid encorajou a Al-Qaeda a planear ataques similares em outros países. E os Muçulmanos a nível mundial atribuem ao terror iraquiano a esperada retirada americana do Iraque.
Se o Ocidente realmente quer resolver o seu problema muçulmano, tem de adoptar a estratégia oposta - tornar claro que a violência, longe de ser recompensada, será penalizada. Pelo contrário, querendo apaziguar o mundo islâmico com a moeda israelita, apenas provará que a violência compensa.
E então colherá mais do mesmo.
Só resta saber qual é o político ocidental (fora de Israel, está visto) que tem a coragem de enfrentar a fera e assim dar o exemplo.
Há poucas semanas houve uma reunião entre o PM israelita Ehud Olmert e o presidente da Autoridade Palestiniana Mahmud Abbas, para discutir algumas questões entre os dois lados, entre as quais o descongelamento de verbas de impostos aduaneiros palestinianos congelados por Israel. O Hamas, que controla o governo palestiniano, foi contra o encontro.
Na altura, Salah Bardaweel, um legislador (eufemismo para terrorista-de-gravata) do Hamas, reiterou a "oferta" do seu generoso movimento a Israel. Em troca de uma hudna (palavra árabe que significa trégua) de longo prazo, Israel deveria permitir o estabelecimento de um Estado Palestiniano em todos os territórios capturados por Israel em 1967, incluindo Jerusalém, e a libertação de todos os prisioneiros Palestinianos das prisões israelitas. Só. Tão simples.
No entanto, tão generoso embrulho vinha, naturalmente armadilhado. Conhecendo-se o currículo do emissário, não é de estranhar.
O senhor Bardaweel prontificou-se a clarificar o que significa para o Hamas uma trégua. A sua proposta não significaria de forma alguma que o Hamas iria reconhecer o direito de Israel a existir. "Estamos a falar de uma solução faseada". Pois "nunca desistiremos dos nosso direito a toda a terra da Palestina".
Ou seja, aquela "trégua de longo prazo" seria apenas pelo tempo necessário para encontrar refúgio algures no Mundo (ou até mesmo em Júpiter), para cada judeu que vive entre o Mediterrânico e o Jordão.
É com esta base ideológica do outro lado que Israel tem de lidar para conseguir a paz e a estabilidade. E os Europeus, com toda a sua hipocrisia de remorso mal sarado misturado com apetite petrolífero e temor que a jihad chegue em força à Europa, não conseguem ver o que realmente está em causa...
O escritor americano Mark Twain terá dito uma vez que «não há nada tão eterno como o Judeu». Referia-se à forma como os Judeus, apesar de terem sido dominados e perseguidos por inúmeros impérios, acabaram sempre por lhes resistir e sobreviver, enquanto esses mesmos impérios se extinguiram no remoinho da História.
Mark Twain não se referia aos Marranos, mas bem podia tê-los incluído na sua ideia. "Marranos" é o nome dado aos descendentes dos Judeus obrigados à conversão ao Catolicismo e que se mantiveram secretamente Judeus após o decreto de Expulsão de 1496. São também chamados Bnei Anussim, "Filhos dos Forçados".
Poderíamos pensar que os Marranos são curiosidades históricas, realidades (quase míticas) do passado. Mas não, ainda hoje, já no século XXI, mais de 500 anos depois da ordem que os obrigou ao silêncio e a uma vida dupla "Cristãos por fora, Judeus por dentro" ainda existem pessoas que perpetuam essa memória e essas tradições abafadas durante tantos séculos.
Alma judia
Como foi possível a subsistência de rituais como acender as velas antes do Shabbat, jejuar no Dia do Perdão ou não comer comidas fermentadas na Páscoa? Tudo num ambiente de secretismo absoluto, envolvido com o medo de se ser, a qualquer momento, descoberto pela temível e cruel Inquisição. E mais, porque se mantiveram secretos mesmo após a extinção da Inquisição (em Portugal deu-se em 1822), da abertura da sociedade a outras religiões, da instauração da democracia e da instituição da liberdade religiosa?
Durante os anos 20 do século passado, houve um esforço notável por parte do capitão Artur Barros Basto para resgatar os milhares de Marranos ainda existentes no Norte de Portugal. A sua missão levou à construção da Sinagoga do Porto e ao estabelecimento de várias comunidades judaicas em várias cidades e vilas do Norte. No entanto, a sua missão foi bruscamente terminada e as comunidades por ele fundadas acabaram por se desagregar. A emigração nos anos 50 e 60 levou muitos para França.
Também em Espanha, especialmente nas ilhas Baleares, existem descendentes de Marranos, como os Chuetas, judeus maiorquinos perseguidos após um grande massacre no século XIV, ainda antes da Expulsão dos Judeus de Espanha, em 1492. Nos séculos seguintes, os seus descendentes foram sistematicamente excluídos da vida social das ilhas e "Chueta" passou a ser uma expressão de insulto entre os habitantes locais. Aliás, "Chueta", tal como "Marrano" têm o significado de "porco".
As Diásporas portuguesa e espanhola levaram milhares de Judeus e seus descendentes para todo o Mundo, em especial a América Latina. Calcula-se que, actualmente, o Brasil seja o país com maior número de Marranos em todo o Mundo. Serão cerca de 100 mil, especialmente concentrados no sertão do Nordeste. No Peru, várias comunidades subsistiram também e hoje revelam a sua intenção de ingressar no Judaísmo moderno.
Na Índia é a ainda mais incrível história dos Bnei Menashe que desponta. Várias tribos indianas reclamam ser os descendentes de uma das tribos de Judeus exilados na Babilónia há quase 3000 anos e que numa vaga de migrações se estabeleceram nas montanhas do Nordeste da Índia. Aí mantiveram um certo número de tradições judaicas que se foram perpetuando apesar do isolamento extremo. Desde o século XIX, com a chegada repentina de missionários cristãos, a maioria converteu-se ao cristianismo. Alguns milhares, no entanto, insistem no seu Judaísmo e resistiram às investidas dos missionários e hoje aproximam-se do Judaísmo moderno.
Na Polónia, após a II Guerra Mundial, alguns milhares de sobreviventes dos campos de concentração que regressaram às suas terras para reclamar as suas casas e bens, foram mortos pelos polacos que entretanto haviam ocupado as antigas propriedades judaicas. Já depois da retirada das tropas nazis. Assim, a maioria dos judeus polacos sobreviventes, decidiram emigrar para Israel ou Estados Unidos, ou optaram pela ocultação da sua identidade judaica.
Durante várias gerações, cônjuges esconderam um do outro e pais esconderam dos filhos, a sua origem. Como a história dramática de um casal de jovens neo-nazis. Casarem-se e tiveram um filho. Entretanto descobrem que os dois são judeus. Numa sexta-feira à noite resolveram convidar os pais para a refeição de Shabbat. A família não aceitou bem a mudança. Aos poucos deixaram para trás o neo-nazismo e juntaram-se à comunidade judaica ortodoxa de Varsóvia. Hoje, os dois são membros activos dessa comunidade. Porém, alguns dos irmãos do rapaz continuam a ser neo-nazis.
Voltando ao caso português. Na última semana, quinze pessoas - a maioria descendentes de Marranos - terminaram o processo de conversão/retorno ao Judaísmo no Tribunal Rabínico de Jerusalém. Vinham tomando aulas de conversão junto da comunidade judaica do Porto. Entre eles, vários casais que, após a conclusão do processo de conversão, se casaram segundo o rito judaico, na Grande Sinagoga de Jerusalém.
É impossível ter consciência plena do esforço e da motivação destas pessoas. Mas são todas, para lá de curiosidades antropológicas, exemplos vivos e actuais da eternidade da "centelha judaica".
Vizinho do Bairro Judeu fica o Bairro Arménio, o mais pequeno dos bairros da Cidade Velha da Jerusalém. Daquela que foi outrora uma comunidade influente e numerosa, restam hoje poucos milhares de residentes. Muitas das casas do bairro são hoje habitadas por judeus. Com a afluência contínua de novos habitantes à Cidade Velha, deparando-se com a falta de casas no Bairro Judeu, a alternativa é o Bairro Arménio.
Mosteiro Arménio na Cidade Velha de Jerusalém, 1910
Uma das marcas do Bairro Arménio são os permanentes cartazes colados nas paredes das ruas principais, muito frequentadas por turistas. De tempos a tempos são renovados, pois a mensagem neles contida tem de continuar a ser difundida. A mensagem de recordar o genocídio dos Arménios, perpetrado pelos Turcos em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial.
Aproveitando-se do facto de as atenções do Mundo estarem dirigidas para o conflito que grassava na Europa, o governo turco ordenou a deportação maciça do Povo Arménio que habitava a parte oriental do território turco. Uma a uma, aldeias e cidades inteiras, e os bairros arménios nas cidades turcas foram esvaziados. Primeiro os homens, válidos para a guerra e para evitar que se formassem num exército de guerrilheiros, foram levados para fora das povoações e assassinados. Depois, a restante população: mulheres, crianças e velhos foram ordenados caminhar durante semanas e meses em direcção ao sul, ao deserto da Síria. A fome, a sede, a tortura dos guardas turcos que os escoltavam fizeram centenas de milhares de mortos.
Em poucos meses, mais de um milhão de Arménios foram aniquilados e despojados da sua terra natal por quase 3000 anos. E isto, em nome de um estado turco homogéneo com um povo único, uma língua e uma religião. Depois de terminado o trabalho, as autoridades turcas depressa se ocuparam em ocultar as provas dos seus crimes, tornando-se "o Genocídio Esquecido".
A tragédia dos Arménios foi o primeiro genocídio do século XX. Duas décadas depois, um certo soldado austríaco com pretensões imperialistas inspirou-se exactamente no trabalho que haviam feito os turcos e na falta de memória da Humanidade, para executar a "Solução Final do Problema Judaico". Terá dito «Hoje, quem se lembra dos Arménios?»
Com o empurrão que lhe faltava para levar a cabo os seus intentos genocidas, as deportações em massa de Judeus começaram em toda a Europa ocupada pelos Nazis.
Israel, como herdeiro principal da memória da Shoa - em especial quando do Irão e entre alguma intelectualidade europeia e americana se levantam vozes que pretendem apagar a história e negar que o Holocausto alguma vez teve lugar - tem também a responsabilidade de não deixar cair no esquecimento o Genocídio Arménio.
No entanto, por conveniência política da sua aliança com a Turquia - o maior aliado de Israel no Médio Oriente - pressões para o estado turco reconheça, 90 anos depois (!), as suas responsabilidades para com a tragédia de 1915, não constam da agenda da política externa israelita. Neste aspecto a União Europeia pode dizer-se que pôs a pressão no momento chave. Numa altura em que a Turquia pretende entrar no clube europeu, a UE colocou com uma das condições essenciais para a sua entrada, o reconhecimento do Genocídio Arménio.
Por aqui, os Arménios continuam, entre a sua vida quotidiana a tentar preservar a memória com os cartazes. Não sei quantos turistas reparam, e se reparam, se dispensam alguns minutos para ler o que deles consta. Num esforço hercúleo de quem sabe que a memória colectiva é, para os que estão de fora, algo muito difícil de manter.
Num mundo cheio de distracções, todos nós temos ligado pouco ao que se passa no Sudão. Os Arménios foram chacinados há 90 anos, os Judeus, há 60, os Ruandeses há pouco mais de 10. Em Darfur o genocídio é uma realidade actual, diária. Alguns até podiam argumentar com a falta de informação, pela indiferença em 1915 ou em 1933-45. Mas na década de 90 no Ruanda e hoje, no Darfur, ninguém - ninguém mesmo - pode dizer que não sabe o que se passa.
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