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"Anti-semitismo da Síria? Os Árabes também são semitas..."
Capa da obra 'A Matza de Sião' do Min. da Defesa sírio, Mustafa Tlas.
Mostra o velho mito do assassínio ritual, 1983
Este argumento de que porque "os Árabes também são semitas" é exactamente o argumento usado pelos mesmos árabes, em especial na Síria e Egipto, enquanto publicam livros e toda a espécie de propaganda contra Israel e os Judeus. No caso da Síria, por exemplo, ensina-se que os Judeus matam crianças não-judias, antes da Páscoa para usar o seu sangue no pão ázimo.
É um mito já velho de séculos que na Europa da Idade Média (e na Rússia até ao século XIX) provocou centenas de massacres. Ainda não há muito tempo, um alto dignitário da Igreja Ortodoxa Russa se referiu a esse mito, tomando-o como verdade, lembrando que apesar do desenrolar da História, da informação e do desenvolvimento, há coisas que não mudam na mente humana.
Mas claro, por eles serem também semitas, não podem ser anti-semitas. Clarifiquemos então os termos, os Árabes não podem ser anti-semitas, mas muitos deles são, sem dúvida anti-judeus.
É que, logo de início, os semitas nem sequer existem. Pensar que os judeus, como semitas são um grupo unificado em termos de aparência física, é no mínimo cegueira. Que há de comum, "semiticamente" falando, entre os Judeus da Bélgica, do Iémen ou da Etiópia com os judeus de Marrocos? São os judeus da Bélgica, semitas? E os judeus chineses ou do Peru?
Os judeus, dentro dos seus países, não são estrangeiros. Por isso, não se pode chamar ao anti-judaísmo, xenofobia. Também não são uma raça. Para lá do erro antropológico que é dizer que existem raças humanas, no caso específico dos judeus, eles existem-se em praticamente todas as "raças" do planeta.
Assim, o que há de comum - "racialmente" falando - entre os árabes de Marrocos, os índios da Louisiana, os negros da Etiópia, os asiáticos da Birmânia ou dos Himalaias, passando por todos tipos físicos de todos os países da Europa? Há judeus de todos estes tipos. Há judeus louros, morenos e ruivos, baixos e altos, de olhos verdes, de olhos azuis e de olhos castanhos.
Acerca disto referiu o investigador argentino Jorge Luiz Garcia Venturini: "O termo racismo resulta insuficiente e até equívoco para qualificar a judeofobia, pois o complexo mental e afectivo que a tipifica excede em muito o âmbito racial. Reduzi-la a uma questão racial implica minimizá-la e até a desnaturalizá-la."
Então, aqueles que falam em anti-semitismo deveriam falar antes de anti-judaísmo ou judeofobia.
Este último Sábado estive com um grupo de cerca 25 estudantes estrangeiros da Yeshivat HaKotel em Bnei Brak, um subúrbio de Tel Aviv conhecido por ter a maior população haredi (ultra-ortodoxa) do Mundo.
A cidade, entalada entre auto-estradas que servem de fronteira entre as várias cidades-subúrbio, é recente. Não tem mais de 70 anos. A falta de espaço e a impossibilidade de expansão reflecte-se nas novas construções do sul da cidade. Ali, antigos edifícios foram deitados ao chão e construíram em seu lugar torres de mais de 20 andares para alojar uma população em crescimento rápido. No centro da cidade ainda se mantêm a regra dos prédios de 2 ou 3 andares, mas não creio que por muito tempo. A procura vai exigir que o camartelo avance também por lá nos próximos anos.
Os haredim são muito reservados no seu modo de vida e não é habitual encontrá-los em lugares onde se misturem muito com os pouco observantes. Bnei Brak e alguns bairros de Jerusalém acabam assim por versões modernas dos antigos shtetls, aldeias maioritariamente judaicas da Polónia e Rússia. Modernas, mas onde o modo de vida se mantém em muitos aspectos imutável ao longo das gerações.
Dois dos valores principais do Judaísmo, muito cultivados em Bnei Brak, apesar de ser a mais pobre de Israel, são tzedaka e hessed (leia-se o "H" como o "J" espanhol, aspirado, "jessed"). Tzedaka pode ser num sentido comum manifestada através da esmola. No entanto, é bem mais do que colocar algumas moedas numa qualquer caixinha de caridade - as quais abundam por toda a cidade, nos balcões das lojas, nas paragens de autocarro, nos sinais de trânsito, junto aos locais muito frequentados.
Hessed traduz-se por bondade ou rectidão. Receber os visitantes - ainda mais os que visitam a cidade para aí passar o Shabbat - é uma forma muito elevada de hessed. Eu e o resto do grupo tivemos a oportunidade de a experimentar em primeira-mão. Em primeiro lugar, ficámos alojados na casa de uma família que nos recebeu sabendo apenas que vínhamos da Yeshivat HaKotel de Jerusalém.
A casa era modesta e pequena, a família numerosa - eram pelo menos 10 filhos. Mas mesmo com as suas grandes limitações, receberam na sua casa 9 rapazes. Esperavam 12. Os dois quartos habitualmente ocupados pelos filhos mais pequenos foram-nos cedidos. À chegada, bolos e refrescos numa mesinha num dos quartos. Apesar de muito humilde, toda a família se esforçou por nos proporcionar o maior conforto e alegria.
Alguns vizinhos, já avisados da nossa visita, chegaram entretanto para convidar alguns do grupo para passarem as refeições com as suas famílias. Eu e Marcelo, um colega brasileiro, fomos com o primeiro dos vizinhos a chegar. Depois de uma breve visita à família fomos para a sinagoga.
Ali, fomos imediatamente detectados como sendo "de fora". Depois das orações de Kabbalat Shabbat (a Recepção do Shabbat) vários homens se acercaram de nós com a saudação "Bem-vindos" e querendo saber quem éramos. Chegámos até a ser convidados para passar o Shabbat com outra família além daquela a que estávamos destinados.
O facto do nascimento recente de mais um filho, não foi impedimento para a família em querer receber alguns dos visitantes. Mesmo muito pequenas, todas as crianças estavam já bem conscientes da importância de receber bem as visitas.
Um dos outros membros do grupo passou o almoço de Shabbat com o dono da casa onde todo o grupo passou a noite. Contou-nos depois o quanto se sentiu "incomodado" pela enorme generosidade dos anfitriões. Enquanto cada um dos membros da família recebeu uma pequena peça de carne, ele recebeu quase meio frango.
Terminados os almoços nas várias casas onde haviam sido repartidos, aos poucos foram chegando os restantes 8 estudantes. Rapidamente, o dono da casa fazia caber na pequena sala de jantar, já de si apinhada pela sua grande família, mais uma cadeira para que quem chegasse se juntasse à mesa. E mais comida era trazida. E entre a comida, o dono da casa, na sua imensa sabedoria, partilhava com todos algumas palavras da Torá. Os seus filhos mostravam-se honrados com a nossa presença e insistiam em que lhes ensinássemos algo, mesmo num hebraico ainda limitado.
No fim do Shabbat, já de regresso à yeshiva, discutimos sobre o enorme encargo que devemos ter sido para aquela modesta família. Imagino que passarão algumas dificuldades durante a semana, mas o Shabbat merece ser celebrado com a dignidade dos reis. E foi como reis, mais do que no mais sumptuoso dos palácios, que nos fizeram sentir.
Raramente vi tanta alegria autêntica no meio de tanta humildade. Dos casos que tenho próximos apenas posso compará-la à hospitalidade dos meus avós na sua modesta casa.
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