Terça-feira, 24 de Junho de 2008

Um carvalho solitário

No planalto de Gush Etzion, a cerca de 20 quilómetros ao sul de Jerusalém, fica a localidade de Alon Shevut. O tipo de local como Alon Shevut este é conhecido como "colonato", esse chavão da diplomacia internacional tão invariavelmente nefasto e vergonhoso. Porém, a sua realidade está tão longe do imaginário daqueles que nunca entraram num local destes.

Rodeado de colinas cultivadas de vinhas e oliveiras, Alon Shevut é um dos povoados judaicos que compõem a região de Gush Etzion. Há milénios que a região é habitada. Era ponto de passagem importante no acesso a Jerusalém e ao seu Templo. Em localidades vizinhas, encontraram-se mikvaot, estruturas usadas nos banhos de purificação ritual judaica, contando com mais de 2000 anos. Episódios da vida de Abraão e Jacob, de Rute a Moabita, o juiz Boaz ou o Rei David, tiveram lugar nestas paragens.

A região teve um repovoamento judaico nas primeiras décadas do século XX. Após massacres de judeus em Hebron em 1929 e em Kfar Etzion em 1948, habitantes judeus só voltaram a estabelecer-se aqui após a reconquista israelita na Guerra dos Seis Dias, em 1965.

O seu nome Alon Shevut, significa "Carvalho do Regresso" deriva de uma velha árvore existente num dos extremos do povoado. Localizada perto da chamada "Linha Verde" - a antiga fronteira entre Israel e a Transjordânia, até 1965 - a árvore era o símbolo do desejo de regresso dos judeus ao bloco de Etzion, após a expulsão pela Legião Jordana, em 1948. De longe, do lado israelita da fronteira, descendentes dos antigos moradores judeus na área, vislumbravam a solitária árvore. A memória dos difíceis dias entre 1948 e 1965 persiste e é contada às novas gerações.

Hoje, o local converteu-se num símbolo da região, um destino dos passeios familiares de Sábado, onde as crianças brincam debaixo da sua abundante copa.

publicado por Boaz às 22:21
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Quarta-feira, 18 de Junho de 2008

Welcome to America

Hoje fui, pela segunda vez ao bairro de Har Nof, em Jerusalém. Da primeira vez, há quase dois anos, tinha ido lá, sorrateiramente, durante a noite, colar cartazes de uma campanha política, na qual estava envolvido um amigo. Dadas as altas horas da noite, não encontrámos ninguém na rua. Desta segunda vez, foi diferente.

O bairro é um dos extremos da cidade de Jerusalém, construído ao longo de uma das encostas ocidentais da capital. Edifícios de aspecto maciço, com inúmeras varandas e, invariavelmente, cobertos de pedra calcária, como manda a lei em Jerusalém. Incontáveis sinagogas, batei midrash (salas de estudo religioso), yeshivot e midrashot (a versão feminina da yeshiva).

Praticamente toda a população do bairro é haredi, ou seja, ultra-ortodoxa. Abundam as crianças de colo e de carrinho, dada a elevada taxa de natalidade. Os homens vestem de preto e branco – daí a alcunha de pinguins. As mulheres são discretas e as meninas vestem-se sempre com o uniforme do colégio: saia preta e blusa azul; manga abaixo do cotovelo, sff.

Porém, apesar do meu conhecimento limitado do bairro, tudo isto eram realidades que eu já conhecia. O que me espantou verdadeiramente foi verificar que nas ruas se fala principalmente, inglês. Nas ruas, nos autocarros, nas lojas, se alguém nos dirige a palavra, fá-lo primeiramente em inglês. A maioria da população do bairro é de origem americana, daí o hebraico ser a segunda língua.

Onde moro, em Alon Shevut, uma boa parte da população também é americana. No entanto, o normal é que as pessoas se comuniquem em hebraico. Nem que seja num hebraico perfeito com o sotaque do Midwest.

publicado por Boaz às 21:36
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Terça-feira, 10 de Junho de 2008

Rumo ao Sul

Desde o dia 3 de Abril último que a minha residência oficial é a Rehov Ha'teena (Rua da Figueira) no colonato de Alon Shevut. Depois de mais de um ano e meio a partilhar um quarto na Yeshivat HaKotel, finalmente arranjei uma casa que, apesar de alugada, posso chamar de "minha".

Alon Shevut é um pequeno colonato, cerca de 15 quilómetros a sul de Jerusalém. Saindo da Cidade Velha, na direcção sul, quem segue pela Estrada de Hebron, ao chegar às imediações de Belém, quando no fim da estrada se avista o posto de controlo junto ao Túmulo de Raquel, vira à direita. Duas centenas de metros e chega-se ao Cruzamento de Gilo, a ponta sul de Jerusalém.

Aí, durante todo o dia e parte da noite, sempre há alguém a pedir boleia. Quem viaja para sul, normalmente para algum dos colonatos do bloco de Gush Etzion ou para a cidade de Hebron, costuma parar e oferecer um lugar no carro. Uma boa alternativa, se pensarmos que a maioria das viagens de autocarro para o Gush – como é conhecida em Jerusalém a região de Etzion – apesar de serem baratos, têm pouca frequência e demoram imenso tempo.

Os túneis, o posto de controlo e o muro

À esquerda da estrada vê-se a cidade árabe de Belém. Nota-se que a cidade tem crescido, depois da crise da Segunda Intifada, quando os hotéis estiveram praticamente vazios durante anos a fio. Logo a seguir, os túneis de Gilo. Um túnel curto, um viaduto sobre o vale e o túnel mais longo. Antes da construção destas obras, a estrada para o sul cruzava a cidade árabe de Beit Jala. Com a Intifada, eram frequentes os tiroteios e o lançamento de pedras contra os carros que passavam o viaduto. Por isso se ergueu um muro de betão de um dos lados, para tapar a vista dos atiradores.

Assim que se sai do túnel, chega-se a um enorme posto de controlo ainda em construção. Todo o trânsito que sai do sul de Jerusalém em direcção à capital, é verificado nesta instalação. Soldados patrulham as várias faixas do posto, 24 horas por dia. Todos os dias.

Os carros vindos dos colonatos não costumam ter problemas para passar. No máximo, o enfadado soldado de serviço pergunta "De onde vem?". As mulheres soldados, talvez "para mostrar serviço" costumam ser mais insistentes. Os carros, táxis e autocarros árabes, pelo contrário, são verificados minuciosamente. Os passageiros costumam ser mandados sair da viatura, e as bagagens inspeccionadas. Excesso de zelo? Pense-se o que se quiser, mas a segurança é uma palavra levada a sério por aqui.

No posto de controlo começa uma das novas secções do muro que Israel constrói na Margem Ocidental. Ironia, todos os trabalhadores da obra são árabes. Até a empresa que fornece o cimento é árabe, descobriu-se que um dos seus donos é o ex-PM palestiniano Ahmed Qorei. Durante quilómetros, o muro acompanha o lado oriental da estrada. Até há alguns meses, do outro lado do muro viam-se povoados árabes. Hoje, apenas o muro de pedra e, de tempos a tempos, uma cinzenta torre de vigia militar.

Para os palestinianos, o muro tem o efeito psicológico de marcar a presença israelita. Para que eles saibam quem tem o controlo. Para os colonos israelitas o muro é visto como uma possível – e não desejada – fronteira com um possível – e não desejado – estado palestiniano. Por outro lado, é também uma maneira de esconder o outro lado. De uma certa forma, esconder o problema palestiniano. Longe da vista...

As grandes colónias

À chegada ao extremo norte do colonato de Efrat, termina o muro à beira da estrada. Do outro lado não há árabes. Os perigos para os automobilistas já não são os atiradores furtivos. Agora só os próprios condutores, que há muito tempo que matam mais que o terrorismo. Saindo da estrada principal, um pequeno posto de controlo, vigia os carros que entram em Efrat pelo norte. À frente, um acesso para os bairros de caravanas de Dagan Hill e Tamar. Apesar de já contarem com alguns anos, nunca se transformaram em bairros de casas de cimento. A expansão do colonato, que se estende por vários quilómetros do lado ocidental de uma montanha, está suspensa. Só no perímetro do próprio colonato ainda se constrói, embora pouco.


Efrat, a capital do Gush

Na continuação da estrada principal começa a parte mais povoada de Gush Etzion. Primeiro Neve Daniel, situado no alto de uma montanha, a quase 1000 metros de altitude, é um dos pontos mais altos do centro de Israel. Do local, ventoso durante todo o ano, tem-se uma vista espectacular. A ocidente, em dias de céu limpo, avista-se toda a região entre Jerusalém e o Mediterrâneo, de Tel Aviv a Gaza.

Um pouco abaixo, fica a colónia de Beitar Illit, a cidade com maior taxa de natalidade em Israel, habitada por judeus ultra-ortodoxos. É tal a procura de casa por novas famílias e o seu crescimento populacional, que se prevê que a população quase triplique até ao final da década, chegando aos 100.000 habitantes.

Perto de Neve Daniel, fica Elazar, em frente do vale que separa a estrada principal da colónia de Efrat. É um colonato pequeno, com belas casas. À entrada, um pequeno jardim zoológico, que faz as delícias das crianças da região. Depois de uma curva perigosa e de uma recta propícia a altas velocidades fica a entrada principal para Efrat e a colónia agrícola de Migdal Oz. Efrat é casa de quase 10.000 pessoas, a maioria americanos endinheirados. Em algumas das suas ruas, sucedem-se mansões gigantescas, com jardins bem cuidados.

A estrada do Gush continua até ao seu ponto central, o Tzomet haGush (Cruzamento do Gush). O cruzamento é o destino de muitos trampistas, os viajantes à boleia. Daí, é fácil chegar a qualquer ponto da região. Para ocidente, três singulares colónias de Gush Etzion: a aristocrática Alon Shevut; a campestre Kefar Etzion e a alternativa Bat Ayin. Para sul, a estrada continua até à dividida cidade santa de Hebron, um dos principais pontos de discórdia entre Israelitas e Árabes. E a militante Kiryat Arba.

O trajecto cruza, como se tudo fosse tranquilo, várias aldeias árabes. A paisagem vai mudando, de vinhas e olivais entre os belos muros de pedra – como me lembram a Serra de Aire! – a colinas cada vez mais secas, pontilhadas ora de cinzentas aldeias árabes, ora de bucólicas colónias judaicas. Pelas colinas do sul da Judeia, ruma para sul, até ao deserto do Neguev, seguindo para Beer Sheva, a grande cidade do sul. Porém, aí, é um mundo à parte, bem longe da tranquilidade aparente e das disputas políticas que são o quotidiano do Gush.

publicado por Boaz às 22:06
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Segunda-feira, 2 de Junho de 2008

Se eu te esquecer, Jerusalém

Hoje é o Dia de Jerusalém. Há 41 anos, durante a Guerra dos Seis Dias (1967), o exército de Israel reunificou a cidade, dividida desde 1948. Com a derrota israelita na frente de Jerusalém na Guerra da Independência, em 1949, todo o Bairro Judeu da Cidade Velha, habitado permanentemente por judeus durante séculos, foi sistematicamente arrasado pelas tropas jordanas. Sinagogas seculares, casas, escolas, hospitais, monumentos históricos, foram deixados em escombros. Todos os habitantes judeus foram expulsos. Os escombros das sinagogas foram transformados em currais de animais domésticos. O cemitério judaico do Monte das Oliveiras foi profanado pelos jordanos, com centenas de lajes tumulares usadas para pavimentar estradas.

Os lugares santos judaicos, como o Muro Ocidental – única parte remanescente do antigo Templo de Jerusalém – foram interditos aos fiéis judeus. Tal como haviam feito os Romanos e seus herdeiros bizantinos após a destruição da cidade no ano 70 da Era Comum, os jordanos proibiram os judeus de rezar nos seus locais sagrados. Por 19 anos, a única opção foi vislumbrar o Monte do Templo ao longe, a partir da Cidade Nova.

Durante quase duas décadas a cidade esteve dividida. Junto à muralha ocidental da Cidade Velha, estendia-se uma extensão de terra altamente vigiada. Uma "terra de ninguém" entre duas linhas de arame farpado. Até Junho de 1967.

Em apenas seis dias, numa impressionante campanha militar desenrolada em três frentes – no norte contra a Síria, no sul contra o Egipto e no Leste contra a Jordânia – Israel multiplicou por três o seu território. Após dois dias de combates na Cidade Velha, Jerusalém foi reunificada. Pela primeira vez, em quase 20 anos, os judeus puderam voltar a rezar no Kotel, o Muro Ocidental.

E, ao contrário do que haviam feito as autoridades jordanas durante o seu controle da cidade, a liberdade de acesso aos locais santos foi garantida a fiéis de todas as religiões. Apenas duas semanas depois do fim dos combates, foi permitido a todos os muçulmanos o acesso à mesquita de Al-Aqsa.

Hoje, Jerusalém é uma cidade diferente. Após a estagnação da divisão Israel-Jordânia, a capital floresceu. As obras de modernização estão por toda a parte. Uma das obras a ser inaugurada hoje é a magnífica ponte do futuro metro ligeiro, projectada por Santiago Calatrava. Por agora, só a circulação de peões será possível. Dentro de três anos (se não houver mais atrasos na obra) também o metro ligeiro deslizará pela delicada ponte branca, na entrada da cidade.

Depois de anos com numerosos ataques terroristas nos mais diversos pontos da capital, a atmosfera é descontraída. Multidões de turistas – com as novidades dos chineses e dos nigerianos – voltam a pisar as calçadas milenares de Jerusalém. A actividade cultural é vibrante. Novos bairros residenciais, hotéis e centros tecnológicos estão em construção.

No entanto, falam em dividir a cidade. Os mal-esclarecidos planos do governo, de entregar alguns bairros habitados maioritariamente por árabes, à Autoridade Palestiniana, fazem temer uma nova divisão na cidade. Sobre a Jerusalém unificada, até agora aberta a todos, paira a intenção de cortá-la ao meio. Um regresso aos terríveis dias antes de Junho de 1967. Não creio que haja algum dos seus habitantes que realmente deseje um regresso a esses tempos. Nem sequer os árabes que, apesar de boicotarem sistematicamente as eleições municipais, usufruem, como qualquer jerusalemita, dos transportes, hospitais e demais serviços públicos.

A cidade permanece solene. Maravilhosa, apesar de todas as convulsões e tragédias por que passou em mais de 3000 anos de história. Cada uma delas lhe deu um carácter novo. Talvez seja essa permanente mudança que lhe garante a essência de eternidade.

"Se eu te esquecer, Jerusalém, que a minha mão direita esqueça a sua destreza. Que a minha língua se pegue ao meu palato se eu não te recordo, se eu não elevo Jerusalém acima da minha maior alegria." (Salmo 137:5)

publicado por Boaz às 00:00
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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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