Domingo, 31 de Maio de 2009

O autocarro para Moscovo

No meu regresso a casa, todas as tardes, apanho o autocarro no centro de Jerusalém. Depois de uns saudáveis 15 minutos de caminhada desde a Cidade Velha, apanho o 31 ou o 32 no chique bairro de Rehavia. As duas linhas levam a Gilo, um bairro recente no sul da capital, de onde eu pego boleia até casa.

A grande parte dos passageiros do 31 ou do 32 são russos. São fáceis de distinguir entre todos os passageiros. As redondas faces eslavas e a predominância do cabelo louro. As mulheres muito mais maquilhadas e de penteados mais elaborados do que a israelita comum. Os homens raramente vestindo o traje dos ortodoxos ou mesmo a kippá dos sionistas religiosos. Residem em Gilo, um dos bairros com maior população russa de Jerusalém.

Com a queda da União Soviética no início da década de 1990, milhares de ex-soviéticos imigraram para Israel. De acordo com a Lei do Retorno, a lei que regula a imigração para Israel, tem direito de ser cidadão de Israel quem seja judeu ou tenha pelo menos um avô judeu. As bases da Lei do Retorno são as Leis de Nuremberga, estabelecidas pelos Nazis, as quais consideravam como Judeu todo o que tivesse pelo menos um avô judeu. A lei que significava a morte no tempo da Alemanha Nazi, assegura um "porto de abrigo" agora em Israel.

Ao abrigo desta lei, mais de um milhão de pessoas chegaram a Israel. Desses, várias centenas de milhar não eram judeus de acordo com a lei judaica. Descobriu-se mais tarde que, na ânsia de deixar a miséria pós-colapso da União Soviética, muitos russos, sem qualquer relação com o Judaísmo, falsificaram documentos e aproveitaram para deixar o país. É a fama que muitos têm em Israel.

De início, o país recebeu os russos com simpatia. Sabendo da opressão que havia sido a vida judaica durante a União Soviética, a chegada dos russos foi bem vista. Porém, os problemas de integração começaram quando se constatou que muitos nem sequer eram verdadeiramente judeus. Além disso, mesmo os que eram realmente judeus tinham um estilo de vida extremamente secular e hábitos pouco comuns em Israel, como falarem russo e não hebreu, e comerem carne de porco. Mantinham em Israel a forma de vida dos seus tempos na URSS.

A outra desconfiança foi ao nível da absorção de tantos milhares de imigrantes num país tão pequeno. Dotados de um nível educacional acima da média israelita da década de 1990, chegaram milhares de médicos, cientistas, engenheiros, atletas e músicos. Uma piada dizia que "todo o russo tem um violino".

Se por um lado, as instituições locais foram fortalecidas pela qualidade da mão-de-obra russa, por outro surgiu a hostilidade dos habitantes locais que foram deixados para trás face à prioridade dada ao "russo". Para absorver a onda russa, surgiram dezenas de novas orquestras em todas as cidades de Israel. Ainda assim, muitos detentores de diplomas e de carreiras técnicas acabaram a trabalhar nas limpezas e na construção civil (o mesmo aconteceu com os russos e ucranianos em Portugal).

Apenas uma minoria dos russos em Israel é religiosa. Num país em crescente secularização, os russos são os cidadãos mais seculares, resultado de sete décadas sem contacto com a prática judaica (a maioria dos homens, mesmo os judeus de verdade, nem sequer era circuncidada quando chegaram a Israel). Ainda assim, a maior parte das pessoas que se convertem ao Judaísmo em Israel são de origem russa. Os que são religiosos, porém são membros bastante activos nas suas comunidades e contribuem para a formação religiosa dos outros russos, integrados em programas de keruv, projectos de aproximação dos jovens às suas raízes judaicas. Várias yeshivot abriram programas em língua russa, a pensar nos jovens filhos dos imigrantes que, chegados à adolescência, descobrem um interesse no Judaísmo.

Os russos são uma peça recente no variado mosaico social de Israel. Apesar dos problemas de integração, aos poucos encontraram o seu lugar. Para lá das suas lojas, canais de televisão e jornais em russo, e dos partidos políticos que defendem os seus direitos, adoptam aos poucos os costumes do país. E, tal como os marroquinos, os polacos ou os iemenitas, deixam também a sua marca na complexa identidade nacional.

publicado por Boaz às 16:00
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Segunda-feira, 11 de Maio de 2009

O visitante

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Cúpula do Rochedo e uma cruz. Foto de Sarah Duishart, Maio 2005align=justify>face=verdana size=2>Começou hoje a visita do papa Bento XVI a Israel. Não é uma visita pacífica, ainda que ele tenha apresentado a sua viagem ao Médio Oriente como uma "de apelo à paz e à compreensão entre as religiões". Bom slogan, mas algo distante daquilo que tem sido o seu papado. align=justify>face=verdana size=2>No ano passado, Bento XVI provocou um escândalo com o Islão, ao citar uma obra cristã medieval que caracterizava alguns ensinamentos de Maomé "maléficos e desumanos", em especial "o seu mandamento de espalhar a fé pela espada". As autoridades muçulmanas exigem um pedido de desculpas pela grave afronta ao profeta. align=justify>face=verdana size=2>Com os Judeus, a sua relação também não tem sido a mais amistosa. Restaurou uma passagem antiga da missa em que apela à conversão dos Judeus. E mais recentemente reabilitou um bispo inglês renegado, Richard Williamson, famoso pelo seu revisionismo do Holocausto. Ao visitar o Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Jerusalém, será difícil não pensar nesta questão e que o jovem Joseph Ratzinger (o verdadeiro nome do papa) foi membro da Juventude Hitleriana – ainda que a incorporação no movimento de propaganda nazi fosse obrigatória para todos os jovens arianos e o seu pai fosse um crítico do Nazismo. align=justify>face=verdana size=2>Este será o terceiro papa a visitar Israel, depois de Paulo VI e João Paulo II. A vista de 2000, é vista por muitos como a mais importante do pontificado de João Paulo II. Em 1964, Paulo VI fez uma vista relâmpago de menos de 12 horas. Na altura, recusou-se encontrar-se com o presidente da República Zalman Shazar, em Jerusalém, encontrando-se com ele apenas no posto de fronteira de Meggido, nunca lhe dirigindo a palavra como chefe de estado. E, mais estranho ainda, durante a visita não mencionou o nome do país “Israel”. Na altura, o Vaticano ainda não reconhecia o Estado Judaico (isso só veio a acontecer 30 anos depois). O re-estabelecimento da soberania judaica na Terra Santa era uma espinha difícil de engolir pelo Catolicismo, herdeiro da ideia do novo pacto, em substituição do antigo pacto de Deus com o Povo de Abraão. align=justify>face=verdana size=2>Nas semanas que antecederam a visita uma nova questão difícil foi levantada entre Israel e a Igreja Católica. O Vaticano reclama direitos de soberania sobre vários locais santos cristãos em Israel, entre eles: a igreja da Anunciação em Nazaré e a igreja das Beatitudes em Tiberias. Além da problemática questão de extra-territorialidade – porque há-de ter o Vaticano soberania sobre igrejas em Israel se uma sinagoga em Roma não é território israelita? –, o próprio favorecimento do controle católico desses locais implica uma exclusão das outras confissões cristãs. O Catolicismo nem sequer é a principal confissão cristã em Israel, sendo uma minoria entre as várias comunidades ortodoxas. align=justify>face=verdana size=2>Por outro lado, é sabido que a comunidade católica a nível internacional nem é conhecida por ser pró-Israel, nem o turismo católico é de grande expressão entre os peregrinos cristãos que vistam o país, ao contrário de várias igrejas evangélicas. Então, para quê o favorecimento? align=justify>face=verdana size=2>Tal como o Rabino Norman Lamm, director da importante Yeshiva University de Nova York comentou: "O papa é um intelectual e como tal existe algo nas entrelinhas do seu comportamento. Os seus interesses são principalmente teológicos. Nada de grande consequência sairá da visita. É importante não pintar o papa como um demónio. Ele tem uma grande porção de poder e influência, e é importante ter um amigo. Mas ele deve saber que nós [os Judeus] não estamos à venda."
publicado por Boaz às 22:56
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Sexta-feira, 8 de Maio de 2009

Uma bandeira num palito

align=justify>face=verdana size=2>Em Israel, ao contrário do que acontece em Portugal, a bandeira nacional é um objecto do quotidiano. Está em todo o lado. Um turista que chegue ao país depara-se, logo à saída do aeroporto de Tel Aviv, com dezenas de bandeiras que decoram a auto-estrada que conduz ao terminal. Em cada poste de iluminação pública, duas bandeiras. Os próprios postes já são construídos com um dispositivo colocado a meia altura que permite fixar as faixas. Na auto-estrada para Jerusalém – ou para qualquer outro lugar – contam-se milhares de ondulantes kahol ve’lavan, ou "azul e branco". align=justify>face=verdana size=2>Nas semanas anteriores ao Dia da independência – comemorado este ano na última semana de Abril – vendedores de ocasião aproveitavam para ganhar uns trocos nos principais cruzamentos do país, vendendo pequenas bandeiras para colocar nos vidros dos automóveis. Sucesso (e dinheiro) garantido. Varandas, árvores, cercas e janelas das casas cobriram-se das cores nacionais.
publicado por Boaz às 00:35
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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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