Duas notícias do dia no Público:
Portugal assume 40 por cento do orçamento da candidatura (conjunta com Espanha ao Mundial de Futebol de 2018 ou 2022).
Jovens à procura do primeiro emprego e trabalhadores precários são os mais vulneráveis à pobreza
Alguém consegue ver uma relação de causa-efeito entre as duas notícias? Ao longe, parece-me mais uma manifestação da eterna e tão portuguesa mania das grandezas a funcionar. E os respetivos resultados. O zé-povinho nem se dá conta do engodo, desde que a bola continue a rolar. Ou talvez esteja tudo bem e seja eu que, ao fim de quatro anos no estrangeiro, a olhar Portugal de longe, já não conheça o país.
Nesta última semana de intervalo nos estudos da yeshiva tive uma pequena mas interessante proposta de trabalho: ser guia de um grupo de jovens sul-americanos em visita a Gush Etzion, o bloco de colonatos a sul de Jerusalém e onde vivo há quase ano e meio. Fui substituir um brasileiro residente – tal como eu – em Alon Shevut e mais acostumado a estas andanças de guia turístico.
Nas vésperas, avisaram-me por e-mail que deveria falar da região de Gush Etzion, a sua situação política e estratégica, o modo de vida dos colonos, as diferenças entre os vários colonatos do "Bloco" e um pouco da história da região. Uma pesquisa noturna à pressa pela Internet, com as páginas da Wikipédia a encabeçarem as opções na busca de informação, deu-me alguns dados para completar aquilo que já sabia de cabeça. O episódio da "caravana dos 35" – que, nem por coincidência deu nome à minha rua, foi um dos pontos que mais destacaram que eu deveria falar.
Encontrei-me com o grupo às 11:45 junto ao alon ha'boded, o carvalho solitário que é o símbolo da zona. Tinham-me avisado que os jovens do grupo não eram religiosos. Bem, "não religiosos" seria uma definição algo branda para aquele bando. Membros da organização judaica de inspiração socialista, HaBonim Dror, os jovens eram na verdade mais do género "anti-religioso". De qualquer forma, sempre se mostraram respeitosos pela minha presença. A kippá grande, as longas peyot e os tzitzit à mostra não os assustaram. Eu também não me senti intimidado pelos grandes decotes e calções de verão das meninas e pelos penteados estranhos e os piercings dos rapazes. (Eu também já fui da "malta moderna". E até já usei um piercing! Vidas passadas.)
Depois da breve visita à histórica árvore, fomos para o kibbutz vizinho de Kfar Etzion, o mais antigo colonato da região, palco de um massacre exatamente no dia anterior à declaração de Independência de Israel. Era já hora de almoço e sentámo-nos à sombra de umas árvores num parque. Aí, tive a oportunidade de conversar com alguns dos outros guias, do Brasil e da Argentina.
Depois, dividimo-nos e metade do grupo foi visitar a yeshivá de Alon Shevut. Uma explicação – talvez demasiado longa – sobre alguns achados arqueológicos no jardim da yeshivá. Subimos até à ala das mulheres, com uma vista soberba do Beit Midrah, o lugar de estudos principal da yeshivá. Imagine-se aquela gente que nunca tinha entrado numa yeshivá – possivelmente muitos nem sequer entraram alguma vez numa sinagoga. Só nessa altura, os outros guias se lembraram que não tinham avisado as meninas para se vestirem de forma "composta", um pouco mais tapadas. Explicámos como é a vida na yeshivá e o modo de vida dos estudantes. Cinco minutos de explicação e voltámos aos autocarros.
Há que voltar daqui a pouco até "à base", onde metade do grupo tem outras atividades e nos espera para também fazerem este giro. Ainda temos alguns minutos para passar por Efrat, o maior colonato de Gush Etzion. Assim que chegámos à primeira rotunda de Efrat, o autocarro deu meia volta e voltou para trás. Não há mais tempo. Este meio-grupo não viu nada do local. Temos de mudar a estratégia para a próxima vez. Troquei de autocarro e tomei o microfone. Há que aproveitar os breves minutos da viagem entre os vários colonatos para ir falando.
Apesar de se identificarem como judeus – ainda que pelo talvez metade não o sejam de acordo com a lei judaica, filhos de pai judeu, mas não de mãe judia ou apenas netos de algum judeu – e imaginando que estão habituados a uma imagem de Israel muito desfocada pelos meios de comunicação social e pela ideologia de extrema-esquerda do Dror – a imagem do colono judeu fanático, sedento de sangue árabe, que come criancinhas palestinianas ao pequeno-almoço – tentei passar-lhes a ideia de que essa é uma ideia errada e que nem sequer todos os colonos são iguais. Que, tal como no resto do povo judeu no mundo inteiro, há judeus de todos os tipos e até seculares que habitam esta região.
Depois de 10 minutos de palestra, apercebi-me que o autocarro ainda não tinha saído do lugar. Ah, eu não tinha dado a ordem de largada! Bem, não me imaginava o líder da comitiva, mas apenas o que provê alguma informação. Fomos para Alon Shevut com quase 15 minutos de atraso. À chegada ao parque de estacionamento da yeshivá, uma vista sobre o enorme colonato de Beitar Illit, uma cidade habitada exclusivamente por judeus ultra-ortodoxos. Ao subirmos as escadas para a yeshiva, avisto o Rabino Aharon Lichstenstein, o director da yeshiva. "Aquele velhinho ali à frente é, apenas, um dos rabinos mais famosos do mundo", informo. Noto olhares impressionados entre os jovens. Não devem ter visto muitas vezes um rabino, ao vivo.
No andar de cima do Beit Midrash deixo-os fazer perguntas. "Porque está um aluno a dormir?" Explico como é cansativo estudar Torá o dia inteiro. "Aqui não estudam mulheres?" Falo da midrashá do kibbutz vizinho de Migdal Oz, com uma versão feminina da yeshivá de Alon Shevut, onde as mulheres estudam a Torá e outras fontes judaicas a fundo, a um nível raro a nível mundial e num ambiente judaico ortodoxo. Aproveito para explicar a evolução da perspetiva judaica em relação às mulheres e os avanços da Halachá (Lei Judaica) com a ajuda da ciência. Aponto o jovem no Beit Midrash que usa um computador e os dois jovens que estudam juntos por um volume da Guemará. As duas faces do estudo da Torá.
Ainda há tempo de ir a Efrat. Ali, temos 10 minutos até ao regresso. Uma visita ao belo miradouro ladeado de buganvílias e pinheiros. Observam o vale onde passa a estrada para Jerusalém e Elazar, o pequeno colonato do outro lado do vale. Mostro-lhes a tranquilidade da vida em Efrat. "E os Territórios Palestinianos, onde são?" Explico que, de acordo com a comunidade internacional, ali já são os "Territórios".
Antes de regressarmos, peço perguntas, mesmo as difíceis. Um rapaz pergunta: "Recebes alguma ajuda do governo para viver aqui?". E uma menina observa: "Isto é tudo muito lindo e tranquilo mas, e do outro lado da cerca, como vivem os Palestinianos?" A guia não me deixa responder ali. Temos de voltar para o autocarro. As respostas têm de ficar para a curta viagem de regresso. Explico que não tenho qualquer ajuda especial para viver ali. É certo que as casas são mais baratas naquela região do que numa qualquer cidade do país, mas apenas por uma questão das leis de mercado. E com a falta de casas os preços têm subido bastante. Ajudas? Eu pago 200 shekels – cerca de 40 euros – por mês, apenas para a empresa de segurança privada do colonato onde vivo.
A cerca... Achei bem explicar a "grande cerca", o Muro. É ruim, é feio, é injusto, mas é necessário. O facto de podermos viajar hoje de autocarro em Israel sem grandes receios, devemo-lo ao malfadado muro. Comparo com outro muro, igualmente caro e feio, mas bem menos polémico, e que ninguém condena: o muro construído com dinheiro da União Europeia em redor de Melilla, um enclave espanhol em Marrocos, para impedir a onda de imigrantes africanos de chegar à Europa. Se as intenções dos Palestinianos em relação a Israel fossem as daqueles imigrantes que apenas querem trabalhar, será que precisávamos do "nosso" muro?
Sei que não vai ser com alguns minutos de conversa que eles serão conquistados para apoiarem Israel. Pelo menos, espero que entendam um pouco melhor a posição das pessoas que vivem aqui. E que os tenha ajudado a destruir alguns estereótipos.
Nota: "Pardal" é a outra tradução possível de Dror, o nome pelo qual é conhecido do movimento a que pertenciam os jovens, HaBonim Dror, os "Construtores da Liberdade".
Freud ficou famoso pelas suas teorias sobre a interpretação de sonhos. Suspeita-se que o Comité Nobel tenha lido a literatura freudiana nessa matéria de cabo a rabo e assim premiou o maior fabricante mundial de sonhos. Já foram Brad Pitt e Tom Cruise, mas hoje Barack Obama é o homem de quem se fala, com quem toda a gente sonha.
Jovem, bem vestido, bem falante, sorriso Colgate de estrela de cinema. Ele próprio cheio de sonhos e o mundo anda encantado por todos eles. É um prémio às boas intenções do príncipe encantado - ahhhh! (suspiro), mas vazio de substância. É que provas dadas das suas numerosas intenções ainda não há nenhumas.
Como disse Saramago - e eu não me consigo desculpar a mim próprio por citar tal personagem, outro sonhador desbocado: "É possível que comece a dizer-se que o Prémio Nobel da Paz [a Obama] foi prematuro, mas não o é se o tomarmos como um investimento".
PS – Se a escolha do Comité Nobel tivesse recaído sobre a Miss Universo, ninguém notaria a menor diferença. Afinal, tal como as misses – que também fazem sonhar meio-mundo – o presidente americano é uma bela combinação de sorriso fotogénico, acenos estudados à multidão de fãs e algumas palavras vagas sobre a paz mundial. Torço para que no próximo ano, o Nobel seja entregue a alguma fulana venezuelana em bikini.
Atenção a estes dois factos do dia aqui neste cantinho do planeta:
Em Israel, uma mulher cientista, Ada Yohath, ganhou o Prémio Nobel da Química de 2009. (Foi a primeira mulher a ganhar o Nobel da Química em mais de 40 anos.)
Enquanto isso em Gaza, o Hamas baniu as mulheres de andarem de mota, a fim de conservar as "tradições árabes".
O cientista político Samuel Phillips Huntington chamou-lhe uma vez: "choque de civilizações". As feministas dos anos 60 chamavam-lhe "queima de sutiãs". No caso de Gaza, as donas dos sutiãs são queimadas com os respetivos.
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