No dia 21 de Janeiro, o governo de Israel apresentou um plano de restauro do património nacional. Num país marcado pela história religiosa de Judeus, Cristãos e Muçulmanos, é óbvio que locais sagrados seriam incluídos no documento. Todavia, a lista não teria chegado às primeiras páginas dos jornais e levantado polémica – inclusive a nível internacional –, se não constassem locais nos chamados Territórios Palestinianos.
Kever Rachel, o túmulo da matriarca Raquel na entrada da cidade de Belém, e Maarat HaMachpelá, a Gruta dos Patriarcas em Hebron, são os pontos da polémica. Depois da divulgação da lista, ocorreram confrontos entre residentes árabes e o exército israelita que controla uma parte da cidade de Hebron.
Maarat HaMachpela, a Gruta dos Patriarcas, em Hebron.
O local é partilhado por Judeus e Muçulmanos.
Uma multidão de peregrinos judeus espera para entrar na sala do túmulo de Isaac,
onde o acesso de Judeus é permitido apenas duas vezes por ano.
De acordo com a declaração do governo, uma das intenções ao formular esta lista é promover a preservação dos locais e permitir o acesso a pessoas de todas as religiões. "A nossa existência aqui, no nosso país, depende não apenas da força do Tzahal (Forças de Defesa de Israel) e do nosso poderio económico e tecnológico. Está ancorada, mais do que tudo, no nosso legado nacional e emocional, o qual nós inspiramos na nossa juventude e nas próximas gerações".
É evidente que a lista tem uma intenção política, mostrando o plano político de afirmar o controle israelita desses locais. Porém, existe também seriedade na decisão do governo de Israel em querer preservar património judaico em locais reclamados por Muçulmanos. A história deu a Israel, e aos Judeus em geral, provas evidentes do destino dos locais sagrados judaicos quando caem sob a tutela dos não-judeus, em especial dos poderes árabes.
Em 1994, quando foi instituída a Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), Israel entregou à nova entidade o controlo da cidade de Jericó e da maioria da Faixa de Gaza. Em Jericó, logo após a transmissão de poderes para a ANP, polícias palestinianos subiram ao telhado da antiga sinagoga “Shalom al Israel” e ostentaram a bandeira palestiniana, num sinal de evidente desprezo pelo lugar. No ano 2000, com o estalar da segunda Intifada, livros sagrados e relíquias da sinagoga foram queimados, o antigo chão de mosaico destruído e o local foi transformado numa mesquita.
Em Shechem (Nablus), no mesmo dia da entrega da cidade à Autoridade Palestiniana, em 17 de Outubro de 2000, uma multidão de palestinianos saqueou o antigo túmulo de José, um dos filhos do patriarca Jacob, esmagando a cúpula com picaretas e ateando fogo ao santuário. Após o ataque, o exército de Israel proibiu o acesso ao local aos peregrinos judeus, por motivos de segurança. Alguns dias depois, iniciaram-se obras de reconstrução e as autoridades palestinianas proibiram os peregrinos judeus de rezarem no local, até que uma comissão internacional independente determinasse se o local era santo para Muçulmanos ou para Judeus. (Mas nunca para ambos?) Ainda assim, de forma clandestina alguns peregrinos atreviam-se, de tempos a tempos, a visitar o local.
Com o tempo o santuário foi sujeito a vários atos de vandalismo, tornando-se depósito de lixo e de queima de pneus. Em 2007, jovens palestinianos de novo encheram o local de pneus e atearam-lhes fogo. Em resposta, o líder palestiniano Mahmud Abbas declarou o túmulo local santo islâmico. (A santidade da terra queimada...) Esse novo estatuto não salvou o lugar da selvajaria e da profanação. Em Abril de 2009, a pedra tumular foi esmagada e suásticas pintadas nas paredes.
A ONU e a UNESCO protestaram imediatamente a inclusão do Túmulo de Raquel e da Gruta dos Patriarcas na recente lista israelita do património a preservar. Porém, nunca protestaram a sucessiva depredação do Túmulo de José nem o vandalismo em Jericó ou em dezenas de outros locais judaicos – antigas sinagogas e túmulos de personagens bíblicos – situados em áreas controladas pela Autoridade Palestiniana.
No entanto, não foi apenas às mãos dos palestinianos que o património judaico foi vandalizado e desprezado. No Iraque, outrora pátria de uma significativa comunidade judaica, o túmulo do profeta Yechezkel (Ezequiel) era local de peregrinação de Judeus, Cristãos e Muçulmanos. Durante séculos, o santuário esteve ao cuidado da numerosa comunidade judaica. Após a independência de Israel, em 1948, os judeus iraquianos foram alvo de campanhas de intimidação e a maioria abandonou o Iraque. O venerado túmulo do profeta foi caindo em ruína.
Recentemente, as autoridades iraquianas iniciaram obras no local com vista à sua preservação. Porém, inscrições em hebraico e outros sinais judaicos foram apagados. A intenção é transformar o túmulo numa mesquita. Outros milenares túmulos judaicos no Iraque, como os do profeta Jonas, de Ezra o Escriba e do Rei Tzidkiahu (Zedequias) poderão num futuro próximo ser alvo da islamização forçada.
A lista do património a defender pelo Estado de Israel levantou críticas entre alguns políticos muçulmanos. Uma das mais ofensivas foi a do PM turco, Recep Tayyip Erdogan. Um jornal saudita citou-o, dizendo que o Túmulo de Raquel e a Gruta dos Patriarcas "não foram e nunca serão locais judaicos, mas islâmicos".
Na verdade, o acesso à Gruta dos Patriarcas tem sido partilhado entre Judeus e Muçulmanos, já que estes reconhecem o local como a Mesquita de Al-Ibrahim. No caso de Kever Rachel, após mais de 1700 anos de reconhecimento como o túmulo da matriarca Raquel, no ano 2000, muçulmanos começaram a chamar o local como mesquita Bilal ibn Rabah. Desde então, a novíssima denominação muçulmana passou a integrar o discurso politico palestiniano.
A cínica ignorância histórica de Erdogan, um político considerado moderado, é apenas mais um episódio de uma sistemática campanha para tentar romper qualquer ligação dos Judeus à Terra de Israel e a Jerusalém. Para além de argumentos religiosos, históricos e políticos sobre o direito de controlo e preservação, ou no mínimo de acesso de peregrinos judeus aos locais sagrados judaicos na Judeia e Samaria, a situação no terreno desde os Acordos de Oslo tem mostrado que os Palestinianos não têm respeitado o seu compromisso de preservação e liberdade de acesso a estes locais de culto.
O Túmulo de Raquel, reconhecido como um santuário judaico por mais de 2000 anos, e como tal mencionado inclusive em abundante literatura islâmica, tornou-se um local disputado por reclamações recentes. Tal como fizeram em outras ocasiões, os Palestinianos usam reais ou imaginárias reclamações religiosas para conseguir capital político para a sua campanha nacional. Nos sermões dos políticos árabes e dos imãs muçulmanos, uma das novidades é insistir que até o antigo Templo de Salomão não foi construído em Jerusalém. Para estes arqueólogos e historiadores de quintal, o Templo afinal foi construído... no Iémen.
Os Sábios judeus ensinam que, antes da chegada da era messiânica, haverá um período de guerra: mas a guerra essencial não será uma guerra entre poderes militares, mas uma guerra de fé. Grandes tragédias e episódios incompreensíveis farão muitas pessoas de fé vacilar e perder a sua fé em Deus e na Sua Torá.
Alguns dos acontecimentos mais perturbadores para uma pessoa de fé são aqueles em que vemos que grandes indivíduos erram. Estalam escândalos envolvendo pessoas pelas quais nutrimos a mais elevada estima e que tomamos como modelos de vida. No fundo, são os nossos heróis. Em certos casos, os erros são de tal modo graves que o edifício de fé parece desmoronar-se. Perguntamo-nos: como é possível que isso aconteça a essas pessoas?
O Tanach (as Escrituras Sagradas judaicas) menciona abundantes destes casos difíceis: Miriam, que falou lashon hará (difamação) do seu irmão Moisés; Yehudá, um dos filhos de Jacob, que teve relações com uma prostituta (que afinal era a nora dele, mas ele não sabia das nobres intenções dela); o Rei David que enviou Uriá para que morresse na guerra para que o rei pudesse ficar com a esposa dele, Batsheva; ou o sábio Rei Salomão que casou com várias mulheres que praticavam a idolatria e acabou influenciado por elas.
T-shirt Super-Judeu
Podemos encontrar inúmeras explicações dos nossos Sábios para estes comportamentos. No final das contas, surge no Tanach uma máxima que deveríamos ter em mente perante todos estes casos: "Pois não há sobre a terra, alguém tão correto que só faça o bem e nunca peque" (Cohelet/Eclesiastes 7:20).
No Judaísmo não há heróis como o Super-Homem ou o Homem-Aranha, personagens imbatíveis, incorruptíveis e perfeitos que jamais se questionam a si mesmos, nem revelam a menor fraqueza. Pelo contrário, a nossa tradição ensina que aquele que é considerado "forte" é aquele que domina o seu instinto. E em hebraico, a palavra para forte – guibor –, significa também herói. Na Torá, o herói não é um ser sobre-humano, um semi-deus com super-poderes exclusivos como aqueles que abundam no mundo imaginário do cinema e das lendas. Antes, o herói judaico é cada ser humano que, com todas as suas imperfeições e conflitos, consegue superá-los para atingir o melhor de si mesmo. E, mesmo que erre gravemente, o homem tem sempre a hipótese de teshuvá (arrependimento, ou regresso ao caminho correto). "As portas da teshuvá estão sempre abertas", garantem-nos os nossos Sábios. No entanto ainda nos perguntamos: se pessoas tão elevadas caem, que esperança restará para nós, gente comum? Lembremo-nos daquele ensinamento famoso do Rav Nachman de Breslav: Kol ha'Olam kuló guesher tsar meod, “O mundo inteiro é uma ponte muito estreita”. É que, se a ponte é estreita para nós, ela é ainda mais estreita para os tzadikim, os justos. Quanto mais alto o nível em que uma pessoa se encontra, mais difícil é para essa pessoa caminhar pela ponte. Aí, as forças que os podem derrubar são muito mais poderosas do que nos níveis mais baixos. E é aí que reside a força dos verdadeiros heróis: conseguir avançar desafiando os ventos fortes que os atormentam constantemente. Por fim, lembremo-nos que, ainda que o justo caia os seus méritos não serão apagados. Deus mantém a sua conta de boas ações intacta, ainda que ele falhe em outras áreas da vida. É verdade que a Torá é um corpo único e cada um dos seus mandamentos é importante e insubstituível. Porém, como é injusto – conosco e com os outros – que tenhamos uma perspetiva de “tudo ou nada”. Pois a transgressão de um mandamento não significa que todo o restante que é cumprido seja inválido, irrelevante ou ainda menos, hipócrita. A nossa fé tem de estar baseada em Deus apenas e não em qualquer ser humano. Sem excepções. Por mais elevado que ele seja, ou pareça ser. Apesar de mantermos certas pessoas como modelos de comportamento, não podemos deixar de lhes dar a hipótese de terem defeitos. (Afinal, a capacidade de errar é a garantia divina de sermos homens livres. Se, ao mínimo erro fossemos destruídos, isso significaria que não temos hipótese de escolha, livre-arbítrio.) E ainda assim, seguirmos imitando as suas qualidades e aprendendo com os seus erros. Certamente, sem os minimizar, mas também sem deixar que esses erros passem a constituir na nossa ideia a totalidade da pessoa que os comete.
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