Segunda-feira, 26 de Abril de 2010

Dia santo na Babilónia

align=justify>face=verdana size=2>Desde que casei, posso contar pelos dedos as vezes que passei o Shabbat fora de casa. E depois do nascimento do bebé, a família apenas se atreveu a sair de casa para passar o Shabbat em duas ocasiões, e ambas em Jerusalém. Porém, há algumas semanas, aventurámo-nos até Tel Aviv. De férias na semana da Pessach, a Páscoa Judaica, tínhamos mais tempo para preparar a viagem de autocarro até à costa. À chegada, Tel Aviv depara-se completamente diferente de Jerusalém. No estilo dos edifícios e, mais ainda, nas pessoas.
publicado por Boaz às 23:30
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Segunda-feira, 12 de Abril de 2010

E se estivéssemos lá

align=justify>face=verdana size=2>Foi numa aula de História do 9º ano da escola. Creio que estávamos já no terceiro período lectivo, ou no final do segundo. O final do ano não estava longe. Desde o início do ano que a professora – ainda lembro o nome dela, Fernanda Ruivo –, não se limitava a ensinar, a despejar matéria como tantos professores fazem. align=justify>face=verdana size=2>Ela era muito mais emotiva que a maioria dos professores. Na primeira aula do ano, durante a apresentação, quando soube que me chamava Gabriel fez a seguinte observação: "Gabriel é o nome do meu maior inimigo". Engoli em seco. Na altura achei que tinha ficado marcado, mas aquele ano de aulas de História foi um dos meus melhores de sempre. align=justify>face=verdana size=2>Depois de passarmos a Revolução Francesa, a colonização de África, a I Guerra Mundial (fiz um monumental trabalho de grupo sobre o assunto), chegou a vez da II Guerra. E o Holocausto. É um assunto pesadíssimo, mas no nosso livro de História não ocupava mais do que uma página. Para ensiná-lo a adolescentes, portugueses, em geral sem qualquer relação com o tema, ou se transmite de uma maneira seca, ou marcante. A professora escolheu a segunda opção. align=center>
face=verdana size=1>Jovens sobreviventes de Auschwitz, no dia da libertação, 27 de Janeiro de 1945. face=verdana size=2>align=justify>face=verdana size=2>Primeiro, a professora explicou a sociedade alemã antes da guerra e as Leis de Nuremberga, base da política de descriminação racial do regime nazi. Depois falou sobre os campos, as deportações, os guetos. Com 16 anos, eu já tinha visto alguns filmes, séries e documentários sobre a Shoá, mas naquela manhã o tema foi apresentado de uma forma mais especial. A professora adoptou uma estratégia de choque: “Imaginem que vocês viviam na Europa ocupada pelos nazis”. E com esta ideia em mente – na dela e na nossa –, prosseguiu. “Se vocês vivessem naqueles tempos, de todos aqueles que se encontram nesta sala, provavelmente apenas dois sobreviveriam. Apenas a Susana e o Gabriel [eu] têm um aspecto ariano.” align=justify>face=verdana size=2>Nunca, nem antes nem depois, presenciei uma aula como aquela. Impressionou-me tanto a exposição do tema pela professora, como o pesado silêncio respeitador dos alunos. Uma turma de jovens de 15 anos, em silêncio absoluto, atentos a ouvir uma professora falar. Alguns minutos depois, a campainha da escola tocou. O toque de saída. Ao contrário de todas as outras aulas a que alguma vez assisti, não houve alvoroço na saída. As cadeiras quase não se arrastaram. Todos arrumaram as suas pastas e mesas em silêncio e saíram calados. align=justify>face=verdana size=2>Nos meses e anos seguintes li alguns livros sobre o Holocausto. A pequena biblioteca municipal da Batalha foi a minha fonte de informação. O primeiro e um dos mais marcantes: “Os feiticeiros do Céu”, do jornalista francês Christian Bernadac. Sobre as experiências de alguns padres e freiras católicos e pastores protestantes deportados pelos nazis. Encontrei-o por acaso, na estante de História da biblioteca, por causa de uma estranha e macabra foto na lombada do livro. Hoje em dia, infelizmente, a sua vasta obra sobre vários capítulos menos conhecidos do Holocausto, é difícil de encontrar até em alfarrabistas. align=justify>face=verdana size=2>Aos 16 ou 17 anos, as histórias macabras que li fizeram-me questionar muita coisa. A culpa, a inocência, a fé, a salvação. Alarguei o rol de leituras a outros assuntos relacionados. A história judaica mais vasta, Israel... Daí ao interesse crescente pela espiritualidade judaica foi um salto de alguns meses e muitas, muitas perguntas. Pode ter sido aquela aula marcante o início da minha caminhada em direção ao Judaísmo. Não sei. É tão-somente o facto mais remoto que consigo recordar em relação a este assunto. align=justify>face=verdana size=2>A cada ano que passa, é mais difícil contar a história do Holocausto. Os sobreviventes são cada vez menos e mais envelhecidos. A velhice fez muitos perder a memória daquilo por que passaram. Muitos, por causa da enormidade do trauma, nunca sequer falaram do assunto, nem com os familiares. As memórias morrerão com eles sem nunca terem sido passadas às gerações mais novas. align=justify>face=verdana size=2>No calendário judaico, hoje é o Yom Ha'Shoá, o Dia da Memória do Holocausto. Daqui a alguns anos, não haverá mais pessoas para contar na primeira pessoa o terror da perseguição nazi. E são poucos os professores que, tal como a minha professora do 9º ano, contam a história com a intensidade necessárias para inspirar os seus alunos.
publicado por Boaz às 20:05
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Domingo, 4 de Abril de 2010

A caça ao fermento

align=justify>face=verdana size=2>É uma das tradições mais enraizadas no Judaísmo: não comer comidas fermentadas em Pessach, a Páscoa. Para recordar a pressa da libertação da escravidão do Egito, quando a massa do pão não teve tempo de fermentar, a Torá ordena a proibição de comer e possuir qualquer tipo de chametz, comida fermentada feita a partir de cinco tipos de cereais: trigo, centeio, cevada, aveia e espelta. A comida mais importante da quadra é a matzá, ou pão ázimo, ou seja, não fermentado. align=center>

face=verdana size=1>Seder de Pessach, de Arnold Eagleface=verdana size=2>align=justify>face=verdana size=2>Para alguns, o esforço de eliminar o chametz começa logo depois da festa de Purim, um mês antes de Pessach. As famílias deixam de comprar vários tipos de alimentos fermentados bastante tempo antes da época em que passam a ser proibidos, gastando o stock existente na dispensa. align=justify>face=verdana size=2>Nas duas semanas antes de Pessach, o trabalho da faxina é intenso. É a barrela anual nas casas judaicas. O objetivo da limpeza é que até o mais ínfimo resíduo de chametz desapareça da casa. Todas as migalhas são eliminadas, nos sofás, no carro, nas carpetes, nos bolsos da roupa, nas mochilas das crianças... Os armários da cozinha e o frigorífico são bem limpos. O esforço maior é dedicado ao forno e ao fogão. Os tachos e panelas de metal são fervidos para serem “casherizados”. As louças da cozinha usadas durante o resto do ano são substituídas por outras, exclusivas de Pessach. (É interessante que, em muitas regiões rurais de Portugal, os católicos também têm o costume de fazer uma grande limpeza nesta altura do ano e até mesmo caiar a casa, a fim de receber o senhor prior que visita cada uma das casas da terrinha). align=justify>face=verdana size=2>Na última noite antes da grande data procede-se à busca do fermento que eventualmente escapou à destruição. A tradição manda que a busca seja feita à luz de uma vela e com uma pena na mão. Com pouca luz, a atenção da busca concentra-se numa pequena área de cada vez. A pena permite vasculhar até nas fendas da casa. Na manhã seguinte o que foi encontrado na busca noturna é queimado. Acabou-se, não há mais fermento em casa! E assim será durante uma semana. align=justify>face=verdana size=2>Com a dispensa desprovida de pão, cerveja, bolachas, bolos, massas, há que encontrar alternativas para a alimentação durante a semana que dura a Páscoa. No caso dos judeus ashkenazitas (originários da Europa do Leste) as coisas são ainda mais complicadas. A sua tradição proíbe-os também de comer kitniot, um termo que designa todo o tipo de grãos e sementes. Por serem parecidos com os cereais proibidos em Pessach, feijão, ervilha, fava, grão-de-bico, milho, soja, lentilhas, arroz e seus derivados, são também excluídos. Existe discussão acerca de grãos e sementes de uso recente, como a quinoa, a canola ou a linhaça. Os judeus sefarditas (de origem ibérica e árabe) não seguem a proibição destes grãos adicionais, ainda que haja algumas comunidades que costumam não consumir arroz nesta época. align=justify>face=verdana size=2>Algumas pequenas comunidades têm costumes específicos e outras limitações na alimentação, que remontam há séculos. Umas não bebem leite, outras não comem tomate (porque as sementes parecem grãos), peixe… Para a generalidade dos judeus ashkenazitas avizinha-se uma semana à base de carne, ovos, batatas e mais batatas. align=justify>face=verdana size=2>Para compensar a exclusão das farinhas no fabrico de pão e bolos, surgem na semana da Páscoa produtos novos, marcados como Kosher para Pessach. Mesmo estando há poucos anos em Israel e tendo experimentado poucas vezes a festa de Pessach, há que admitir que, de ano para ano, a qualidade aumenta. Há anos, eram tristes as alternativas aos bolos, massas e biscoitos do resto do ano, invariavelmente produzidos com farinha de batata, com um aspeto, sabor e consistência pouco atraentes. Hoje, as empresas esforçam-se para produzir alternativas saborosas. Este ano, a novidade foi a farinha de tapioca, permitida por todos os costumes. Porém, apareceu também a lecitina de colza como alternativa à derivada da soja, o que deixou algumas pessoas baralhadas e a perguntar que raio de coisa é essa… align=justify>face=verdana size=2>Tirando o hábito tão enraizado de comer pão, que tem um papel tão importante no Judaísmo, central em qualquer refeição festiva, em especial no Shabat, é bastante tranquilo “sobreviver” à Páscoa. É que, com as alternativas inventadas todos os anos pela tecnologia alimentar, já quase não se sente a diferença entre Pessach e o resto do ano.
publicado por Boaz às 15:30
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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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