Uma frota de barcos, carregada de ajuda humanitária para a desgraçada e bloqueada Gaza, a ser entregue por algumas centenas de ativistas dos direitos humanos. Esta seria a definição simples da "Frota da Liberdade". Porém, esta definição é também profundamente ingénua e distorcida. Em primeiro lugar, os organizadores da iniciativa pertencem a uma organização turca de direitos humanos, que a par de louváveis iniciativas de caráter humanitário no Terceiro Mundo, é suspeita de canalizar fundos para várias organizações envolvidas na Jihad, entre elas, o Hamas. Além disso, três dos turcos mortos na tomada de um dos barcos pelo exército de Israel haviam declarado querer morrer como mártires pela Palestina. Ou seja, esta era para eles nada menos que uma missão suicida.
Comprometido com um bloqueio naval e terrestre à Faixa de Gaza governada pelo Hamas, há mais de uma semana que Israel negociava com os organizadores da "Frota". O governo de Israel tentou convencer a organização da missão a canalizarem a ajuda para Gaza através da via terrestre, permitindo antecipadamente a verificação da carga para eliminar qualquer suspeita de tráfico de armas ou material que pudesse ser usado pelo Hamas contra Israel. Todas as vias de negociação foram recusadas pelos ativistas. Recusado foi também um pedido da família do soldado israelita Gilad Shalit, sequestrado em Gaza há quatro anos, para lhe ser entregue também um pacote de ajuda.
É óbvio que o resultado é trágico. Nove mortos (as fontes iniciais falavam em 15 ou mesmo 20). E várias dezenas de feridos. Israel reclama que agiu em legítima defesa, quando os soldados foram recebidos à bastonada e com facas pelos auto-intitulados tais defensores dos direitos humanos no navio "Mavi Marmara". Nos outros cinco barcos não houve violência. Os militares estavam equipados com espingardas de paintball e com pistolas a ser usadas apenas em última análise. Não esperavam tamanha resistência por parte dos integrantes da "Frota".
Qualquer que fosse o desfecho, ele nunca seria bom para Israel. E seria sempre muito conveniente para o Hamas. Na semana que antecedeu a tomada dos barcos, durante as discussões entre o governo de Israel e os organizadores da "Frota", o próprio Primeiro-ministro do Hamas, Ismail Haniyeh, declarou que o Hamas sairia vencedor deste episódio, fosse qual fosse o desfecho. Não é preciso ser profeta para fazer essa declaração. Se os barcos fossem deixados passar, isso significaria um furo no bloqueio israelita: uma vitória para o Hamas. Se os barcos fossem impedidos de chegar, em qualquer caso, Israel ficaria mal visto: uma vitória para o Hamas.
A "Frota" disfarçada de missão de ajuda humanitária foi uma perfeita e bem montada operação de Relações Públicas para o Hamas. É assim que se pode resumir, numa frase, toda esta história da "Frota da Liberdade". Os ativistas internacionais, embebedados por um ódio anti-Israel deixaram-se levar pelo engodo. Ou, sem qualquer vergonha, aderiram a ele deliberadamente. Israel não tinha como ganhar o confronto. Nesta, como noutras crises, resta fazer uma gestão dos estragos na imagem internacional de Israel. Mais difícil ainda com um temperamental Ministro dos Negócios Estrangeiros com fama de "falcão". Frente às embaixadas israelitas por essa Europa fora, multidões gritam contra Israel e a favor dos Palestinianos com os slogans do costume. Em Lisboa eram uns 50 gatos-pingados.
A causa ganhou mais alguns mártires. Alguns deles mártires por vontade própria. Todos com direito ao harém de 70 virgens prometido pelo profeta. Esta tarde, de regresso a casa, reparei que praticamente todas as lojas do mercado árabe da Cidade Velha de Jerusalém se encontravam fechadas. Um sinal de protesto pela tragédia ao largo de Gaza. De qualquer forma, algumas lojas estavam de porta entreaberta. Não fosse aparecer algum turista interessado na quinquilharia disponível. Imagino que haja festejos à porta fechada. Aos olhos do Mundo, Israel saiu (mais) mal visto. O Hamas cantará vitória.
PS – Atenções mundiais viradas para Israel e, a Turquia – pátria dos barcos e da maioria dos ativistas da "Frota da Liberdade" – teve um timing perfeito para bombardear posições dos seus opositores curdos no Curdistão Iraquiano. Não se esperam manifestações anti-turcas frente às respetivas embaixadas.
Era final de Fevereiro de 1998. Tinha começado a faculdade em Lisboa há poucos meses. Naquela tarde, depois de semanas de tentativas, conseguira finalmente falar com a pessoa da comunidade judaica encarregada da educação religiosa. Já tinha falado com ele dois meses antes. Assim que me mudei para Lisboa, telefonei para a comunidade para tratar do meu interesse na conversão ao Judaísmo.
Na falta de rabino indicaram-me o responsável pelos assuntos de educação da comunidade. Na primeira conversa telefónica, em Novembro, disse-me: “Agora não há conversões. Ligue-me em dois meses”. Apesar da espera, dois meses não fariam grande diferença. Afinal, eu já andava a ruminar a ideia da conversão há uns dois anos. Portanto, o que custariam mais dois meses de espera?
Nem sequer fazia muito tempo que eu descobrira que a conversão era algo possível. De início, pensava mesmo que era algo irrealizável. Cheguei a imaginar que eu era a única pessoa no mundo com aquele tipo de ideias. E nunca tinha falado sobre o assunto com ninguém. Nem amigos nem família. Nos meses anteriores à entrada na faculdade, trabalhara num escritório que tinha Internet e foi pela porta virtual que descobri que a quimera era possível. Um alívio!
Cartas de revelação
Naquela quarta-feira de finais de Fevereiro ouvi do outro lado da linha: “Encontramo-nos no próximo Sábado, ao meio-dia, na sinagoga, para falar do seu assunto”. Foi um dos momentos mais eufóricos de que me lembro. Antevia o encontro na sinagoga daí a dois dias como o ansiado começo da minha caminhada em direcção ao Judaísmo. Finalmente, a aspiração iria começar a tomar forma. A luz ao fundo do túnel! Assim que desliguei o telefone escrevi – uma a seguir à outra – cinco cartas. As minhas “cartas de revelação”. A minha mãe, Pedro e Lucas, os meus dois melhores amigos do Grupo de Jovens, uma prima especialmente próxima e todo o Grupo, seriam os destinatários. Chegara a hora de contar o segredo.
A manhã de Sábado chegou. Apesar das enormes espetativas, o encontro na sinagoga foi uma desilusão. Não houve nenhum início de processo de conversão. Parece que a luz ao fundo do túnel afinal era o comboio que vinha na minha direcção… Nessa tarde de Sábado, na reunião do Grupo de Jovens da Batalha, alguém reparou que eu parecia triste. Desapontado, arrumei as cartas no fundo da gaveta. Não havia nada para revelar. Revelar para quê, se nada mudara?
Porém, tornou-se cada vez mais difícil continuar com esse assunto apenas guardado para mim mesmo. Era especialmente complicado ir todas as semanas ao Grupo de Jovens católico, como se fosse tudo normal. Inclusive, continuei a cantar na missa uma vez por mês, com o resto do Grupo. Como iria explicar a recusa em ir? Havia um sentimento de traição, pela falta de honestidade em relação aos meus companheiros de grupo.
O primeiro a saber sobre "aquilo"
A certa altura, semana após semana, até levava comigo as ditas cartas para os encontros do Grupo de Jovens, para as entregar aos dois amigos. E nunca arranjava coragem para as entregar. Até que, um dia prometi a mim mesmo “desta semana não passa”. Naquele Sábado não houve encontro. Um concerto das festas da vila, na praça mesmo em frente à nossa sala de reuniões perturbava o ambiente. Decidimos ir a Leiria. Uma banda da cidade, Silence 4, começava a fazer furor e iriam dar o seu primeiro concerto, numa praça da cidade. No final da noite, antes de voltar para casa, só consegui encontrar um dos dois amigos, Pedro. Entreguei-lhe a carta. “Lê só quando chegares a casa”, pedi-lhe. “É algo mau?”, perguntou-me. “Não. Talvez algumas pessoas achem que é mau, mas não creio que seja”. “Amanhã passo por tua casa para falarmos”, prometeu-me.
Aos Domingos, era costume de família ir passear pelas redondezas e almoçar fora. Decidi ficar em casa ansioso pela visita do meu amigo. Chegou a hora de almoço, passou a uma da tarde, as duas… E ele não vinha. Pensei que o pior acontecera, “Não aceitou”. Passados alguns minutos bateu à porta. Talvez por algum dom profético, Pedro trazia com ele Lucas, o amigo que tinha desaparecido durante o concerto da noite anterior. Fui ao meu quarto buscar a segunda carta. Pedro seguiu-me. Sentou-se na minha cama e disse simplesmente: “Sobre ‘aquilo’, não tem problema”.
No Sábado seguinte, ao chegar à reunião do Grupo, fui recebido por Lucas com um sorriso enorme. Perguntou-me: “Também vais usar aqueles barretinhos que os judeus usam?” Só pude sorrir de volta. Estava tudo bem. Durante as semanas seguintes encontrei-me com Pedro algumas vezes para falarmos sobre o meu caso. “Tens de contar ao resto do Grupo”, avisou-me. “Tenho uma ideia: escreves uma carta como a que escreveste para mim e eu leio-a para o Grupo.”
Realmente acredito que ele tenha dom de profecia. Ou talvez ele só me conheça verdadeiramente bem, como acontece com os melhores amigos. Era exatamente aquilo que eu lhe queria pedir! Não precisei. Ele ofereceu-se com toda a generosidade. Decidimos a quem iríamos revelar o assunto. Concordámos que nem todos estariam preparados para saber. Alguns membros estavam há pouco no Grupo. E eu não queria baralhar as ideias de ninguém. Reformulei a carta destinada ao Grupo que eu já escrevera há uns meses.
Pedro marcou o encontro e leu a carta para todos. Eu só desejava ter sido uma mosquinha para ter estado presente. No dia seguinte, fui a casa dele saber das reações. “Todos aceitaram muito bem”. Na carta, pedira para discutirem se eu deveria continuar a pertencer ao Grupo, sabendo que havia coisas que eu já não poderia fazer, em especial cantar na igreja. “E querem que continues. Seria uma grande perda se tu saísses”.
Agora todos sabem
As reuniões continuaram tranquilas. O assunto da minha vontade de conversão ao Judaísmo não foi mencionado entre nós. Só com uma ou outra pessoa eu falei do assunto, discretamente. No Verão, talvez em Julho, fomos passar umas férias numa casa de campo numa praia do Alentejo, no Sul de Portugal. Aproveitei para deixar a carta da minha mãe na caixa do correio, quando saí de casa para a viagem. Tirando uma menina, há pouco tempo entrada no Grupo, todos os amigos sabiam.
Ao final da primeira tarde na praia, no Sábado, decidiam se e onde iriam à missa dominical. Estávamos todos deitados nas toalhas, num grande círculo. “Algum dia, o Gabriel tem de nos levar a uma
'missa judaica'”, alguém propôs. Fiquei mudo. “Eu fico à espera do casamento dele!”, outro atirou. Tive a impressão de todos terem pensado: “há uma pessoa que não sabe!!”. A tal menina nem deve ter entendido, nem fez qualquer pergunta.
No regresso a casa, falei com uma pessoa do grupo para que averiguasse se a tal menina já sabia. E se não soubesse, que lhe dissesse. Passados alguns minutos da nossa chegada a casa, fui avisado que já fora informada. “Agora todos sabem. Já podemos falar do assunto”, pensei. Sem sussurros e indiretas. Todavia, ninguém falou. E eu também não queria puxar o assunto. Só no final do dia seguinte, quando estava a ler um livro no meu quarto da casa de férias, ouvi alguém chamar-me do outro lado da casa: “Gabriel, vem à sala, há uma coisa que nós precisamos falar”. Falámos. Fizeram perguntas. Respondi. Naquela noite senti plenamente o que significa a amizade incondicional.
Telefonei à minha mãe para falar como estava a passar as férias. Não toquei no assunto. Nem ela. Alguns dias depois regressámos para a Batalha. Nesta altura, a minha irmã, independente, já tinha saído de casa. Estávamos só os dois em casa ao jantar. Durante a refeição, a minha mãe não se conteve: “Porque é que puseste uma carta na caixa do correio? Não podias ter falado comigo diretamente?”. “Achei que era mais fácil assim”, expliquei. “Se tu te quisesses converter à Igreja Universal do Reino de Deus, ou às Testemunhas de Jeová, eu ficava preocupada, mas ao Judaísmo não. Os Judeus são bons”.
E assim, sobre a questão da minha vontade de conversão esta foi a única conversa familiar durante anos, enquanto o processo não se desenvolveu. Com as dificuldades de acesso à sinagoga de Lisboa, nada tinha mudado. Só eu ia estudando por mim mesmo, quando o resto da vida seguia normal. Uma vez ou outra, a minha mãe lá largava uma ou outra frase sobre o tema. Como quando via algo sobre Israel na televisão. Ou quando, depois de comer a metade de uma meloa, e restando apenas a casca gracejou: “Vês, podias usar isto como um daqueles chapéuzinhos dos judeus”, referindo-se à kippá.
Com a minha irmã, a revelação veio mais tarde. A nossa relação não era assim tão próxima. Soube quando eu já entrara nas aulas de conversão na sinagoga. A ela, contara-lhe que estava a aprender hebraico. Eu já havia estado dois meses em Israel como voluntário num
kibbutz, daí que ela entendia que eu tinha algum interesse nessa área. Com a época da Páscoa a aproximar-se, a minha mãe convidou-a a ir almoçar lá em casa na Domingo de Páscoa. Acabaram a falar algo de mim. “Esta não é a Páscoa do Gabriel”, disse a minha mãe. A minha irmã foi rapidíssima a juntar as peças do puzzle. “Não é a Páscoa dele? Mas agora ele é judeu, é?”.
Posso dizer que fui um privilegiado com os meus amigos e família, em relação ao assunto da conversão. Nunca recebi hostilidade da parte deles. E, apesar de ir definindo as nossas diferenças, procurei também nunca hostilizar ninguém. Para os amigos católicos, ainda que a conversão significasse uma negação daquele que tomam como Deus, a nossa amizade foi mais importante. (Aliás, foi a razão principal que me fez continuar no Grupo, depois da
"revelação"). Na família, afastada há anos do Catolicismo praticante, o "ser uma boa pessoa" foi mais importante do que qualquer diferença de crenças. Que todos os candidatos à conversão recebessem tanta compreensão dos seus como eu recebi.
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