Quarta-feira, 4 de Abril de 2012

Vêm aí os Persas?

Tal como em Israel, também no resto do Mundo Ocidental os diplomatas têm andado agitados com a questão nuclear iraniana. O assunto aparece nas notícias todos os dias. Desde as crescentes sanções contra o regime iraniano, às declarações dos políticos. Mais do que factos, transmitem-se especulações sobre o estado do programa nuclear iraniano e o vai-não-vai de um ataque israelita contra os centros atómicos dos ayatollahs. O anúncio de sanções pela comunidade internacional, em especial a União Europeia que declarou um embargo à compra de petróleo iraniano para o próximo Verão, levou a mais uma subida do preço do petróleo. Mais um fator a fazer piorar a crise económica internacional.

De um lado, o presidente iraniano Ahmadinejad continua a aparecer em propagandísticos eventos que promovem os avanços imparáveis das suas forças armadas e do seu programa nuclear – que alega ser apenas para produção elétrica, algo estranho para um país cujo solo é ensopado de petróleo e gás natural. Do outro, o Primeiro-Ministro israelita Benyamin Netanyahu e o Ministro dos Negócios Estrangeiros Avigdor Lieberman desenrolam-se em encontros com Obama e outros líderes ocidentais para alertar sobre os perigos de um Irão dotado de armas nucleares.

Para lá das fronteiras de Israel, entre as restantes nações do Médio Oriente, também há preocupação com a perspectiva de um Irão atómico. Esse é um dos pontos mais destacados pela diplomacia israelita: um Irão dotado de armas nucleares não é somente uma ameaça para Israel, mas para toda a região e o resto do Mundo. Numa região em constante conflito, uma nova potência militar desequilibraria as frágeis relações entre os vários países e complicaria a influência americana na região.

A questão nuclear iraniana entrou na ordem do dia com a subida de Mahmud Ahmadinejad ao poder. A retórica populista, o fanatismo militante, o declarado anti-israelismo que declara a vontade de “apagar Israel do mapa”, tornaram-no um espalha-brasas na arena internacional. Ainda que seja admirado por alguns elementos da extrema-esquerda europeia e sul-americana. Sem a menor vergonha, organizou conferências destinadas a negar o Holocausto, convidando a Teerão pseudo-especialistas, adeptos do mais danado revisionismo histórico. Ninguém sabe muito bem o que poderá fazer o maníaco de Teerão, com o militarismo lunático de quem se considera o mensageiro que trará o Mahdi (o messias islâmico) após uma guerra apocalíptica contra os Infiéis, nem que para isso arruine o seu próprio país. Ahmadinejad parece seguir à letra a ideologia destruidora do falecido ayatollah Khomeini, o ideólogo da República Islâmica: “Deixem esta terra [o Irão] ser queimada, desde que o Islão desponte triunfante no resto do Mundo”. Pelo menos, entre o aparelho político iraniano, o parlamento parece mais moderado do que o atual presidente, limitando em parte os seus delírios.


Imagens com esta mensagem (sem o sarcasmo final) têm sido publicadas na Internet,
provenientes de Israel. Do Irão a resposta tem sido idêntica.

Além da ameaça declarada contra Israel, Ahmadinejad é uma ameaça também para os seus vizinhos árabes. Apesar das proximidades culturais, o Irão não é um país árabe, mas persa. As inimizades entre persas e árabes são antigas. A minoria árabe no Irão é altamente descriminada. A tradição islâmica iraniana é maioritariamente xiita, ao contrário da maioria dos muçulmanos árabes que seguem a tradição sunita. Os xiitas, seguidores da tradição de Ali, o sobrinho de Maomé e seu herdeiro espiritual de acordo com o Islamismo Xiita, são vistos como hereges pela maioritária corrente sunita. A secular descriminação dos xiitas pela maioria sunita deixou cicatrizes por sarar entre as duas maiores correntes do Islão.

Com o seu poder militar, as receitas do petróleo e a influência política, o Irão tem apoiado ativamente os movimentos xiitas nos países árabes. Do Iraque – onde os xiitas são a maioria, dominados e massacrados pela minoria sunita durante a ditadura de Saddam Hussein –, ao Líbano, onde o Hizbollah é um verdadeiro posto avançado dos ayatollas na fronteira norte de Israel. Na pequena ilha-estado do Bahrain, no Golfo Pérsico, a maioria xiita tem reclamado maiores direitos, face ao domínio sunita da dinastia reinante.

O temor dos países do Golfo face ao expansionismo atómico dos ayatollahs tem-se manifestado em rumores de um possível apoio de alguns países a um ataque de Israel às centrais nucleares iranianas. Rumores publicados nos jornais indicaram que a Arábia Saudita permitiria aos aviões de combate israelitas sobrevoarem o seu território a caminho de um ataque ao Irão. Obviamente que este apoio não é, nem pode ser declarado publicamente. Isso seria considerado uma traição dos muçulmanos árabes face aos seus irmãos iranianos, mesmo que sejam vistos como hereges. Ainda mais cooperando com o odiado inimigo sionista. Aos olhos do mundo ocidental e muçulmano, a unidade da Umma, a Comunidade dos Crentes Muçulmanos, continua a ser um mito propagado. Um apoio declarado dos países árabes a um ataque ocidental contra o Irão, seria prontamente explorado pela propaganda iraniana para incendiar ainda mais o mundo islâmico contra os EUA e Israel, chamados na terminologia iraniana de “Grande e Pequeno Satã”.

Israel tem aumentado as relações com o Azerbeijão, uma ex-república soviética, de maioria muçulmana mas secular, que faz fronteira a norte do Irão. Um artigo recente da revista “Foreign Policy” afirmou que o governo azeri teria autorizado o exército de Israel a usar as suas bases militares próximas da fronteira iraniana, num eventual ataque israelita ao Irão. O Azerbeijão tem um diferendo com o vizinho Irão no controle do Mar Cáspio, rico em petróleo.

Apesar do nervosismo dos diplomatas, dos repetidos simulacros de ataques, dos testes de novos mísseis para o exército, das recorrentes notícias alarmantes sobre um possível ataque nuclear contra o país e de uma possível operação militar israelita contra o Irão, em Israel o povo parece estar alheio a toda esta agitação pré-apocalíptica. As preocupações diárias do comum israelita prendem-se com a falta de casas ou o preço proibitivo das rendas nas principais cidades, o custo de vida em ascensão, o aumento dos combustíveis (ninguém poderá negar a relação entre a subida do preço do petróleo com a corrente vaga de sanções contra o Irão, um dos maiores exportadores mundiais de petróleo). As manifestações gigantescas ocorridas durante meses no Verão passado não tiveram a ver com a ameaça iraniana, mas com as dificuldades internas.

O preço elevado do queijo cottage – uma das paixões nacionais – tornou-se uma desculpa para protestos contra as dificuldades económicas. Depois da campanha para reduzir o preço do queijo, vieram os outros laticínios. Motivados pela sensação de poder nas mãos, a campanha popular virou-se para o preço das casas. Armaram-se tendas em todas as cidades de Israel, que permaneceram ativas todo o Verão e uma boa parte do Inverno. Depois, a revolta popular virou-se para o elevado custo da educação. E o governo instituiu a educação gratuita desde os três anos de idade. “O povo exige justiça social!”, o slogan gritado nas ruas e que fez estremecer o governo de Netanyahu no último Verão – e promete regressar nos próximos meses – nada tinha a ver com a ameaça iraniana (ou a eterna questão palestiniana).

Em evidente contra-mão às preocupações do quotidiano nacional, os militares e políticos israelitas insistem em manter a questão nuclear iraniana na sua agenda diária. Face à incerteza do que poderá resultar da Guerra Civil na Síria, até à perspetiva de um crescente armamento do Hezbollah no Líbano – o Irão não quererá perder os seus únicos aliados no Médio Oriente – o aparelho militar israelita tem insistido em aumentar o orçamento da Defesa, que já consome algumas dezenas de biliões de shekels do orçamento de Estado. Em geral, o orçamento militar em Israel é algo sagrado que nenhum governo se atreve a controlar, mas o governador do Banco de Israel e o próprio Ministro das Finanças têm tentado controlar as ânsias gastadoras dos generais.

Na verdade, ninguém saberá quando e se o ataque acontecerá. Mais incertas são as consequências de um bombardeamento israelita: desde a real eficácia de uma acção militar para travar o programa nuclear iraniano, à dispersão de materiais radioativos no território iraniano e até aos países vizinhos. E claro, a resposta dos ayatollahs a um ataque. Certo é que, não ficaria sem resposta. E o Irão tem um poderoso exército, dotado de mísseis de longo alcance. Com ou sem armas nucleares, um contra-ataque iraniano contra Israel seria catastrófico.

A mensagem da ameaça iraniana (real ou exagerada) não está a passar como os líderes israelitas desejariam. Ou talvez os israelitas, com o seu pragmatismo natural, considerem que não faz sentido preocupar-se com cenários hipotéticos de guerra – ainda que alguns incluam a perspetiva do extermínio – se não podem garantir confortos básicos imediatos como casa própria e queijo barato. Numa recente campanha na Internet, que se tornou viral, israelitas publicaram fotos suas em forma de cartaz, declarando que amam os Iranianos e que Israel não bombardeará o seu país. Do outro lado, houve uma reação no mesmo sentido, mas mais comedida, dadas as limitações à liberdade de expressão com que vivem os iranianos.

Antes de tentar convencer o mundo da importância de um ataque militar para deter o programa nuclear iraniano, parece que o governo israelita precisa de convencer a própria população israelita que essa é uma prioridade nacional. Para lá da habitação acessível, a educação grátis e as guerras do queijo cottage.

publicado por Boaz às 22:25
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Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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