Sábado, 17 de Novembro de 2012

Quando a sirene toca, de verdade

As velas de Shabbat estavam acesas há poucos minutos. Com a minha filha mais velha, de quase 4 anos, saí de casa para a sinagoga, a menos de 500 metros de distância. O céu azul do final da tarde, pontilhado de nuvens, tinha uns tons alaranjados no Ocidente. Senti uma gota de sorte por estarmos longe de Gaza. Pensei como iriam passar o Shabbat os habitantes da região costeira de Israel, entre a Faixa de Gaza e Tel Aviv.

Há dois dias, uma nova guerra começara na região de Gaza e do sul de Israel. Quer dizer, a guerra nunca tinha realmente terminado. Desde a retirada militar israelita da Faixa, no Verão de 2005, as cidades israelitas nas proximidades do território palestiniano eram atingidas com frequência por mísseis lançados por terroristas palestinianos. Primeiro os mísseis eram artesanais e com fraca precisão. Com o passar dos anos e o aumento do tráfico de armas iranianas, líbias e sudanesas para a Faixa, o arsenal do Hamas tornou-se mais sofisticado, atingindo cidades cada vez mais distantes.

Na sexta-feira, pela primeira vez em mais de 20 anos, as sirenes de alarme soaram em Tel Aviv, desde que Saddam Hussein retaliou a invasão americana com uma chuva de Scuds sobre Israel. Na tranquilidade de Gush Etzion, lugares como Tel Aviv, Ashdod ou Ashkelon – onde o soar das bombas e das sirenes eram agora realidades presentes –, esta nova guerra parecia, mais uma vez, remota. Um vizinho brasileiro tinha sido chamado para a base. Um dos 16 mil soldados reservistas convocados para uma possível operação militar em Gaza. A esposa, com os dois filhos ficou em casa sem saber a data de regresso do marido. Tanto podem ser alguns dias, como semanas.

Na sinagoga, como habitualmente era a hora de Kabalat Shabat, o serviço religioso que marca o início do Shabbat. Sem paciência para ficar sentada no banco da sinagoga, a minha filha pediu para voltar para casa. Deixei-a ir, avisando que não podia ir para outro lugar. A congregação levanta-se para entoar o cântico Lechá Dodi. A meio da segunda estrofe, o uivo da sirene de alarme soa por toda a aldeia. Não é um simulacro, como os que acontecem pelo menos uma vez por ano, mas uma sirene de alarme verdadeira. Alguns dos congregantes continuam a cantar, outros param sem saber o que fazer. O gabai, responsável pelo funcionamento da sinagoga, interrompe o serviço e pede para todos descermos para o andar inferior da sinagoga, conforme indicações do Serviço de Emergência Civil.


Habitantes de uma cidade do Sul de Israel observam os rastos dos mísseis lançados de Gaza.
Ao soar a sirene de alarme, os habitantes devem abrigar-se num lugar coberto.
Quem está demasiado longe deve deitar-se no chão.

“Onde está a minha filha? Agora mesmo a mandei para casa e ela está na rua sozinha!”, pensei alarmado. Olhei para o hall de entrada da sinagoga. Fiquei um pouco aliviado ao ver que ela ainda não tinha saído. Corri a pegá-la ao colo e abracei-a forte. O aperto do abraço foi mais para mim do que para ela, que felizmente não entendia o que se passava. Descemos as escadas para o andar de baixo, mais seguro e longe das janelas do hall.
– “Porque nós temos de descer as escadas”?, perguntou a menina.
– Este som forte significa que é perigoso, temos de ir para o abrigo. Tentei explicar-lhe a situação.
– O barulho da ambulância?
– Não, chama-se azaká (sirene, em hebraico). Parece o som de uma ambulância, mas não é.

Na escuridão, alguns homens continuavam a entoar Lechá Dodi. Tive vontade de chorar, uma ou duas lágrimas escorreram-me pelo rosto. A sensação de incerteza é avassaladora. Apertei ainda mais a minha filha. Alguns minutos depois, ainda um velhinho descia as escadas amparado por um braço caridoso, a maioria da congregação decidiu voltar para o santuário da sinagoga. “O Serviço de Emergência Civil diz que devemos esperar 10 minutos antes de voltarmos”, avisou um homem. Ninguém o ouviu. Como os israelitas gostam de desafiar as regras… O serviço religioso prosseguiu (quase) como se nada tivesse acontecido. No final, rezámos um salmo especial, em honra dos soldados israelitas e dos residentes das cidades sob a mira dos mísseis do Hamas.

Durante quase todo o Shabbat, despertava-me a cada vez que o vento soprava com mais força nas árvores das redondezas, pensando tratar-se do início do uivo de mais uma sirene de alarme. Em todas as casas, o assunto na mesa de Shabbat foi obviamente a inédita azaká que soara em Gush Etzion. Uma senhora, que deixara o rádio ligado para poder receber informações de segurança durante o Shabbat, informou que ouvira que o míssil tinha caído a Norte de Jerusalém.

Na manhã seguinte, outros informaram que o míssil caiu na região de Nokedim, apenas alguns quilómetros a Oriente, no deserto da Judeia. Vários vizinhos relataram terem visto o rasto de fumo do míssil a cruzar os céus nas redondezas. No final do Shabbat, busquei nas notícias informações mais precisas sobre o ocorrido. Confirmou-se a caída do míssil no deserto da Judeia. Achei inacreditável o ataque. Toda a região fica rodeada de cidades árabes! Hebron, com 150 mil habitantes fica 25 km a sul. Belém, com 50 mil, e Jerusalém, onde residem mais de 200 mil Árabes, ficam a menos de 10 km do local atingido.

Não sabemos o que se vai passar nos próximos dias. Entretanto, outros 75 mil soldados reservistas foram convocados. Uma operação terrestre em Gaza com infantaria ligeira e pesada é algo extremamente arriscado. O risco de baixas numerosas no Exército de Israel e o possível sequestro de soldados é algo que pesa nas decisões dos líderes israelitas. Na região costeira do país, num raio de até 40 km de Gaza, amanhã não haverá aulas. Aqui em Gush Etzion, tal como em Tel Aviv, ao contrário de outras guerras no passado, ninguém pensará desta vez que tudo acontece lá longe. Afinal, estamos todos no mesmo barco.

publicado por Boaz às 20:27
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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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