Segunda-feira, 15 de Junho de 2009

Palestra em mímica

Há dias, após o final da viagem à boleia desde Alon Shevut, que me deixou no bairro de Talpiyot – como acontece tantas vezes – continuei de autocarro a jornada até à Cidade Velha. Respeitando o pequeno letreiro numa das janelas do autocarro "Por favor continue para a parte de trás do veículo", sentei-me numa das últimas filas de bancos.

De manhã, a caminho da yeshiva, costumo escutar música no meu pequeno leitor de mp3. "Mais vale ouvir música do que disparates", podia ser uma boa razão para manter o canal auditivo coberto com os auscultadores. Ainda assim, gosto de observar as pessoas à minha volta, na boleia, no autocarro ou nas ruas...

À minha frente no autocarro – sentei-me naquela fileira especial em que as pessoas se sentam de frente para as outras – estava um senhor na casa dos 50 avançados. Vi que falava bastante. Não o ouvia, por manter a música do mp3 ligada. Durante os mais de 10 minutos da viagem até ao centro da cidade, o homem não se calou. Numa expressão de resmungo esbracejava e apontava para um lado e para o outro, reforçando a importância que dava à sua prédica.

Olhava-me e para os outros passageiros na vizinhança e continuava. Parecia tentar convencer a todos da sua razão. "Ainda bem que tenho a música a tocar...", pensei. Atrás dele, outro homem, também de auscultadores nos ouvidos, parecia achar piada ao que o velhote falava. A certa altura tirou um dos auscultadores do ouvido, deixando-o livre para escutar o orador. Este, deve ter percebido o interesse do seu vizinho de trás e repetidamente se virava para ele, a confirmar que o interesse no que ele falava se mantinha. O vizinho, rebolava os olhos de contentamento pela dissertação do velhote, disfarçava o riso e acenava "sim senhor" com a cabeça, dando gás ao falador para continuar.

De que se queixava? Dos Árabes e do Obama, do Beitar ou do Maccabi, da crise e dos preços no shuq, da mulher dele e dos vizinhos, das obras do metro em Jerusalém e dos atrasos nos autocarros. A mim, sem ouvir (e não lamento) o que o homem dizia, dava-me vontade de rir pela teatralidade da cena. Uma peça de mímica, ao vivo.

À chegada ao final da Rua Rei David, deixo o artista a falar sozinho. O bilhete de autocarro não inclui entretenimento a bordo e temo ter de, no final, pagar gorjeta ao artista. Sigo o resto do meu caminho a pé. Nas ruas pedonais do shopping Mamilla, no shuq árabe e na praça da Rova (o Bairro Judeu da Cidade Velha) também há animação.

No autocarro, no shuq ou na praça, sempre se encontra um velho cheio de histórias que insiste em partilhá-las para uma ocasional (real ou imaginária) audiência. Passo, olho, sorrio e continuo.

publicado por Boaz às 00:30
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2 comentários:
De PN a 17 de Junho de 2009
Olá
Estava a ler o teu artigo e...
saltou-me à vista o nome "Talpiyot"
Li à pouco tempo o livro "o ultimo túmulo de Jesus Cristo" penso que era assim o título, deu origem a um documentário e muita polémica, recordo o nome como o mesmo onde está situado o tão falado túmulo.
Isto de viver rodeado de tanta história, de a cada passo que se dá parece que pisamos uma porção de terra que inclui testemunhos e escritos tão fascinantes como são os religiosos é no minimo fascinante
Um Abraço
Pedro
De Boaz a 19 de Junho de 2009
É, o bairro onde foi encontrado o tal túmulo é mesmo Talpiyot. É estranho que o tal documentário baseado na descoberta do túmulo tenha dado tanta polémica no estrangeiro. Aqui, praticamente não se falou do assunto.
A única coisa que resultou da polémica foi o facto de as escavações terem sido interrompidas. A razão: Israel queria evitar problemas diplomáticos com o Vaticano. É que poderiam descobrir alguma coisa que pusesse em causa "verdades aceites".
(Veja o filme 'O Corpo', é sobre o mesmo tema).

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Perfil do autor. História do Médio Oriente.
Galeria de imagens da experiência como voluntário num kibbutz em Israel.


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