Com frequência, falo com amigos em Israel sobre os erros da política externa de Israel. Em regra, a atitude tem sido a de lamentar a incompreensão da ONU e do resto do Mundo, e ainda mais a oposição sistemática face às acções militares de Israel, em especial a última operação em Gaza. Isto, sem nunca confrontar as acusações com a perspectiva israelita sobre os factos. E sem apontar a dualidade de critérios na permanente condenação de Israel e o injusto silêncio dos diplomatas face à situação em outros pontos do globo. Ou o silêncio quando as vítimas são israelitas.
A ONU realizou na semana passada a sua Assembleia-Geral. Dezenas de chefes de Estado e de governo discursaram no palanque da ONU. O presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad fez um discurso pejado de ataques a Israel. Dias antes, ainda em Teerão declarou-se orgulhoso de negar o Holocausto, como tem feito desde que foi eleito presidente pela primeira vez. No dia seguinte ao vergonhoso discurso de Ahmadinejad, foi a vez do Primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu discursar. E que discurso!
No seu brilhante discurso, Benjamin Netanyahu fez exactamente isso. Como mencionou o PM israelita, a ONU foi fundada após a II Guerra Mundial precisamente para prevenir a ocorrência de tais eventos. "Nada minou mais essa missão, nada a impediu mais, que o assalto sistemático à verdade. Ontem o presidente do Irão esteve neste pódio vomitando o seu mais recente discurso anti-semita. Há uns dias, ele reivindicou que o Holocausto é uma mentira.", disse.
Apontou o dedo a Ahmadinejad, por repetir as habituais diatribes anti-semitas, ainda mais no palco da ONU. Elogiou os países que não compareceram na sala para escutar o ditador iraniano e os que abandonaram a sala quando ele começou a exibir o seu ódio. Foram apenas 12 países. Só doze. (A ONU tem quase 200 estados membros.)
"Não têm vergonha? Não têm decência?", Netanyahu interpelou os representantes dos países que testemunharam o discurso do presidente do Irão. Mostrando uma cópia da acta da Conferência de Wannsee, ocorrida em 20 de Janeiro de 1942, e a planta original da construção do campo de concentração de Auschwitz, perguntou "Isto são mentiras?". Mencionou os números tatuados nos braços dos sobreviventes: "São também mentira?".
A presença dos diplomatas e o seu silêncio durante o discurso de Ahmadinejad legitimaram as eleições fraudulentas que o reelegeram, deram a razão ao violento regime que matou dezenas de manifestantes que apelavam à democracia e à transparência após as eleições.
Netanyahu e Israel não são, nem podem pretender ser, embaixadores dos que anseiam pela democracia nos países muçulmanos. Não são uma voz aceite para falar em seu nome. Dos opositores encarcerados nas prisões dos Irão, do Egipto ou da Síria. Das mulheres brutalizadas, excisadas e segregadas como cidadãos de segunda classe ou, pior que isso, como animais. Das minorias religiosas perseguidas, como os xiitas e os cristãos na Arábia Saudita, os cristãos em Gaza ou os bahá'ís no Irão.
Porém, todas estas vítimas olham para as democracias ocidentais com esperança. Que os diplomatas e políticos das nações livres se indignem quando os inocentes são atacados, que defendam as suas causas na arena internacional. O "silêncio dos bons" perante um ditador descarado ladrão de eleições, assassino e mentiroso é uma desgraça no panorama da democracia mundial.
Durante mais de 20 anos, Portugal foi a única voz que falou em nome do povo de Timor-Leste, que defendeu os seus interesses e direitos na ONU. Contra todas as diplomacias do Mundo – incluindo a poderosa América – interessadas nas riquezas petrolíferas da Indonésia e na sua influência no mundo árabe.
Uma democracia reconhecida, com um assinalável registo de direitos humanos a nível internacional, Portugal não foi um dos países que se recusaram a dar o aval à ditadura iraniana e à sua doutrina. Dos 27 estados da União Europeia, apenas seis viraram as costas a Ahmadinejad. Da América, além dos EUA e Canadá, apenas a pequena Costa Rica teve a ousadia de ser corajosa.
O Brasil teve uma das mais desprezíveis demonstrações de falta de moral. O presidente brasileiro Lula da Silva, hoje considerado como um dos mais influentes líderes dos países em desenvolvimento, apertou a mão do ditador iraniano. Em Nova Iorque fez-se história. A ONU assistiu apática ao espezinhar dos valores da sua carta fundadora. Valeu Netanyahu, que teve a coragem de enfrentar o touro pelos cornos.
Apesar de não ter votado nele nas últimas eleições em Israel, senti um grande orgulho na sua frontalidade. Ainda que saiba que, de qualquer forma, não se esperará grande compreensão do resto do Mundo às suas palavras - a maior parte delas são demasiados inconvenientes. Ao menos que a estratégia diplomática israelita mude daqui em diante.
PS - Quem quiser assistir ao discurso de Netanyahu (em inglês, sem legendas), clique aqui.
Envie comentários, sugestões e críticas para:
Correio do Clara Mente
É proibido o uso de conteúdos sem autorização
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
. Blogs
. Contra a Corrente/O MacGuffin
. Poplex
. Das 12 Tribos
. Aish
. Int'l Survey of Jewish Monuments