Na semana passada comecei a trabalhar em part-time em Kiryat Zanz, um bairro de Jerusalém habitado quase exclusivamente por judeus haredim, os chamados "ultra-ortodoxos".
Confesso que senti uma certa suspeita quando a pessoa que me arranjou o trabalho me levou ao local. Um "ortodoxo moderno" como eu é um deslocado num bairro como Kiryat Zanz. Fechadas por natureza, as comunidades haredim - ao menos em Israel - têm pouco contacto com os "de fora".
Normalmente, esse contacto é do tipo daquele que tenho com eles. Trabalho. Neste caso, eu trabalho para eles. Limpo as escadas de três prédios do bairro. Já sabia à partida que a tarefa não iria ser fácil. O facto de terem muitos filhos - uma média superior a 7 filhos por família - faz com que as casas e os edifícios onde vivem sejam difíceis de manter em ordem. Com habitantes preocupados com coisas menos mundanas, os bairros dos "ultras" são frequentemente muito mais sujos que os demais. Ao menos em Jerusalém.
Todavia, e até agora, apesar da sua normal distância, não me posso queixar de falta de hospitalidade. Em vários casos, pessoas que haviam passado por mim nas escadas, voltaram pouco depois de copo na mão e ofereceram-me algo para beber. Noutro caso, um jovem chegou até a perguntar-me se eu era militar do exército de Israel para assim dizer uma bênção por mim. Achei particularmente estranha esta situação.
Os haredim - com as suas dezenas de sub-grupos: Chabad, Zanz, Satmar, Belzer, Breslov, e muitas outras mais pequenas, cujos nomes dependem na maioria dos casos das terras de origem do grupo, são maioritariamente afastados do Estado de Israel e das suas instituições. Assim, uma bênção de um deles por um eventual soldado de Israel pareceu-me quase oposto à crença que normalmente apresentam muitos haredim.
Um destes grupos, Satmar, é mesmo radicalmente anti-sionista. Mais ainda, membros do pequeno grupo Neturei Karta participam frequentemente nas manifestações organizadas a favor dos Palestinianos, na Europa e Estados Unidos. No entanto, não o fazem tanto por um humanismo em relação aos Palestinianos, mas antes para demonstrarem a sua oposição à existência do Estado de Israel. Para eles, um país governado por judeus só sob a liderança do Mashiach (Messias). Muito mediáticos na sua propaganda, são no entanto mal vistos pelos outros haredim, quer pelo seu discurso extremista, quer pelas suas acções.
O seu ódio ao Estado de Israel é tão grande que fazem tudo o que podem para desacreditá-lo. Por isso, nos últimos anos, o líder do Neturei Karta foi inclusive "Ministro dos Assuntos Judaicos" do governo palestiniano e era visita frequente no quartel-general de Arafat. Mais recentemente, apesar das barbaridades ditas pelo presidente iraniano contra Israel e os Judeus (das quais a negação do Holocausto foi apenas uma delas), uma delegação do movimento foi recebida por Ahmadinedjad em Teerão.
Os "corvos"
Pela forma como se vestem, os hassidim ou haredim são alcunhados de "corvos" ou "pinguins". Seguindo o vestuário dos séculos XVIII e XIX da Europa Oriental, usam o invariável traje negro com camisa branca, sem gravata, chapéu negro ou o famoso shtreimel (chapéu de pêlo), as longas barbas e as longas payot encaracoladas. À excepção dos Chabadniks que as usam curtas e atrás das orelhas. As mulheres vestem-se de acordo com as mais rígidas leis de modéstia. Procurando ser o "menos atractivas possível", usam vestidos largos que não permitem fazer notar as formas do corpo e de cores pouco vistosas. Na cabeça lenços ou toucas-estilo-saco ou em alguns casos, perucas, a fim de esconderem completamente o seu cabelo.
Super-protegidas no seu ambiente, e por terem poucos contactos com "os de fora", as crianças haredim são normalmente muito tímidas mas evidentemente curiosas. Durante as minhas horas de trabalho, é com frequência que noto crianças que me observam, escondidas atrás das portas entreabertas, ou no andar de cima, espreitando-me. Se olho na sua direcção, rapidamente se ocultam.
Apesar da desconfiança inicial, tenho de admitir que sinto um certo apreço pelo seu modo de vida. A sua teimosia, chamemos-lhe assim. O desafio em viver de uma forma tão austera - austera para mim e para a maioria de nós. Mas todavia alegre, já que a alegria é um ponto muito importante na religiosidade e quotidiano haredi. O facto de manterem com tanto afinco valores tão distantes daqueles enraizados no modo de vida maioritário no "mundo exterior", como a obsessão pelo culto do corpo ou a busca de prazeres.
Por isso até acho natural que me olhem de lado, com uma certa desconfiança. Já que é óbvio que não sou - nem desejo ser - um deles. Apesar das payot que começam a despontar.
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